Jan Theophilo
Oportunidades à vista! Inaugurada há mais de 300 anos no Centro do Rio e vivendo a décadas em absoluta decadência econômica, a Rua da Carioca vai virar a Rua da Cerveja. A ideia é da Prefeitura do Rio, que lançou um projeto para ocupar a região com cervejarias artesanais. O objetivo final é reabrir lojas e revitalizar um endereço histórico da capital. Durante um período, a municipalidade vai ajudar financeiramente as empresas do setor que quiserem se instalar na região. Até agora, 13 cervejarias toparam participar do programa e sete delas já assinaram contrato. O projeto pretende investir na Rua da Carioca em obras de requalificação urbana, ampliação das calçadas e redução das faixas para veículos. A Rua da Cerveja também vai ganhar nova iluminação e mobiliário, como mesas, bancos e cadeiras.
“Estamos muito entusiasmados, afinal, a luta pela recuperação da Rua da Carioca é o marco zero da fundação da nossa associação. Hoje, das 60 lojas, apenas umas 15 estão funcionando. Mas pode anotar que já estamos nos organizando para uma grande festa de inauguração”, empolga-se Roberto Couri, presidente da Sociedade de Amigos da Rua da Carioca e Adjacências (SARCA). O projeto, desenvolvido nos moldes do Reviver Centro Cultural, vai oferecer um subsídio para atrair os empresários do setor cervejeiro. O município lançou um edital para chamamento dos donos dos imóveis que queiram alugar seus espaços e outro para selecionar as cervejarias que estejam interessadas em se instalar no local. O repasse será de R$ 1.000 por m² para reforma e de R$ 75 por m² para despesas mensais, considerando um teto para imóveis de até 200m². Os repasses mensais duram entre 30 e 48 meses.
Segundo estimativas da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Emprego e Inovação, a Rua da Cerveja deve movimentar R$ 222 milhões em até quatro anos e gerar uma massa salarial de R$ 41,8 milhões, no mesmo período. A expectativa é que sejam criados 500 novos empregos diretos. “Estamos dando um incentivo para a revitalização desses sobrados e apoio financeiro mensal para que as empresas se espalhem aqui. Vamos fazer uma intervenção urbanística, aumentando as calçadas, mudando toda essa área que se junta ao Reviver Centro. O objetivo é ter mais moradores, mais residências, mudar essa região da cidade e, claro, dar oportunidade aos turistas também. Além disso, promover o desenvolvimento econômico, gerando emprego e investimentos”, diz o secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, Chicão Bulhões.
As lojas inscritas no projeto precisam estar vazias, ser de fachada ou ter algum contato com a rua. Já as cervejarias precisam produzir e comercializar seus rótulos, propor atividades e eventos que envolvam o público e funcionar à noite e aos finais de semana. Segundo Caique Costa, sócio da Candanga (que ocupará o número 72) e presidente da Acerva Carioca (Associação dos Cervejeiros Caseiros do Rio), o projeto é importante para o setor das artesanais e cervejarias de menor produção: “Queremos ir aonde as grandes cervejarias não vão, e esse espaço pode ser ali. No mercado artesanal é preciso vender direto ao consumidor final, sem intermediários”, diz ele, que promete levar muita agitação para o novo polo turístico da cidade. Caíque pretende servir seus produtos artesanais e tira-gostos, além de oferecer para os clientes serviço de hospedagens em estilo hostel no terceiro andar, proporcionando uma experiência imersiva na arte da cervejeira com degustações e participação na produção que será feita no local. “Estamos na fase de comemoração. Vamos montar a cervejaria, oferecer cursos e ser muito “pet friendly”. Serão 23 mil litros de fermentação na fábrica, três bares aqui embaixo e um rooftop lá em cima. No total serão 1.200 metros quadrados, e a gente espera inaugurar até agosto”, estima.
A inauguração da “Rua da Cerveja”, prevista oficialmente para setembro de 2024, marca o fim de um imbróglio que se arrastava desde 2012, quando o Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário comprou, da Ordem Terceira da Penitência, 38 casarões antigos da Rua da Carioca. “Em pouco tempo os aluguéis praticamente dobraram, o que levou a uma enxurrada de falências”, diz o presidente da SARCA. Durante tempos especulou-se o que a empresa de Daniel Dantas faria com os imóveis, já que alguns deles haviam recebido sentença de desapropriação pelo então Governo do Distrito Federal ainda na década de 1940. Ou seja, qualquer iniciativa cutucaria um bololô burocrático quase centenário. Será que agora vai?
Graças à formatação do novo projeto de ocupação da área pela Prefeitura, o complexo cervejeiro já está saindo do papel. Isso porque, antes mesmo do Caíque, os empresários Raphael Vidal, do Bafo da Prainha, Luís Rogério, da Cervejaria Búzios, e Edu Pontes, da Cervejaria Tio Ruy, se juntaram e fecharam o primeiríssimo contrato de reocupação com o Grupo Opportunity, para criar a Cervejaria Cotovelo. O trio estará à frente dos imóveis 15 e 17 da Rua da Carioca. “Nós fomos atrás da Cervejaria Búzios e da Cervejaria Tio Ruy, duas amigas de longa data, para, além das cervejarias, juntos criarmos também um bar para potencializar a retomada do cotidiano na rua, nos moldes do que fizemos com construído no Parque Olímpico para os Jogos de 2016.
RUA DE BAMBAS, ONDE NOEL COMPÔS ‘COM QUE ROUPA’
Nem Vila Isabel, Madureira ou Ipanema. Poucos endereços do Rio foram tão importantes para a evolução da música brasileira quanto a mais carioca de suas ruas. Mas, por ironia dos deuses, foi justamente a derrocada de um dos mais importantes templos da MPB que marcou a decadência do endereço. Depois de 121 anos de funcionamento, “A Guitarra de Prata”, frequentada por músicos como Pixinguinha, Noel Rosa, Ary Barroso e fornecedora preferida de Paulo Moura e Baden Powell, fechou em 2014 por não ter condições de arcar com o aumento no aluguel. “Era uma loja que remetia à minha infância, meu início como músico. Ficava ali, ziguezagueando pela Rua da Carioca, olhando a vitrine, como mosca de padaria. Até que pude comprar meu primeiro violão decente ali”, conta o mestre Moacyr Luz.
A Guitarra de Prata foi inaugurada em 1887 por Antônio Tavares de Oliveira com o objetivo inicial de vender gramofones — a sensação high tech daquele momento. Com o tempo, se tornou uma das melhores casas do ramo musical no Brasil. Foi na entrada da loja que, batucando uma caixinha de fósforo, Noel Rosa compôs seu primeiro sucesso “Com que roupa?”, na década de 1930.
Outro endereço mítico funcionou no segundo andar do sobrado de número 53, onde Cartola e sua mulher Dona Zica fundaram o Zicartola — o casal morava no terceiro andar do mesmo casarão. Sonho antigo de Dona Zica, cozinheira de mão cheia, o restaurante foi aberto
em 5 de setembro de 1963. No início era uma pensão que servia apenas refeições. Mas aos poucos, ao fim da tarde, sambistas encerrando o dia de trabalho passaram a buscar refúgio ali, ao som de batucadas. Zé Keti era o mais entusiasmado frequentador
Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Aracy de Almeida, e grandes nomes da Bossa Nova, como Carlinhos Lyra e Nara Leão eram presenças frequentes. Um dia, Hermínio convenceu um jovem bancário chamado Paulo César Batista de Faria, filho de músicos talentosos, a ir ao Zicartola e acompanhar alguns dos cantores que lá se apresentavam. O rapaz fez tanto sucesso que o jornalista Sérgio Cabral, também frequentador da casa, dedicou a ele um alentado texto em sua coluna no Jornal do Brasil. Como achava que Paulo César não era exatamente um nome de sambista, cravou o apelido com o qual eternizou o virtuoso instrumentista: Paulinho da Viola.
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