EIS A PERFEITA TRADUÇÃO: ALCIONE E A MANGUEIRA

Alcione: “Eu nunca pensei em ser em enredo da minha escola"

Jan Theophilo

É um dos enredos mais badalados do carnaval deste ano. A Estação Primeira de Mangueira ouviu um antigo apelo da comunidade e decidiu levar para o Sambódromo um tributo a ninguém menos que a cantora Alcione, a Marrom, uma das maiores vozes da música brasileira e torcedora histórica da agremiação. A artista maranhense de 75 anos, dona de um Grammy Latino, desfila pela Verde e Rosa desde os anos 1970, e foi uma das fundadoras da escola-mirim Mangueira do Amanhã, da qual é presidenta de honra. “Queremos mostrar na avenida a Alcione, não necessariamente em uma narrativa cronológica de sua carreira, mas como o povo realmente a reconhece: como uma pessoa de fé, mas de uma fé múltipla. Ou seja, não no sentido de uma prática religiosa específica”, diz a carnavalesca Annik Salmon, responsável pelo carnaval da escola em parceria com Guilherme Estevão desde o ano passado.

A própria Alcione fala:

“Eu nunca pensei em ser em enredo da minha escola. Para mim, isso é o máximo que um artista pode querer alcançar: ser enredo de uma escola de samba, principalmente da minha Estação Primeira de Mangueira. Estou muito feliz, muito orgulhosa, por mim, pela minha família, pelo meu estado, que é o Maranhão, e por todos os meus amigos. A Mangueira é uma instituição séria, maravilhosa, então fico muito lisonjeada, honrada de ser enredo dessa escola”.

Alcione Dias Nazareth nasceu em 21 de novembro de 1947, em São Luís do Maranhão. Começou, ainda menina, a se apresentar musicalmente e logo chamou atenção, se apresentando em bares e boates. Aos 18 anos, se formou como professora primária, mas, sete anos depois, decidiu alçar voo como artista e se mudou com malas e bagagens para o Rio de Janeiro. Ao longo de sua carreira, Alcione colecionou inúmeros sucessos e já lançou mais de 30 discos. Seu primeiro álbum, “A Voz do Samba”, foi lançado em 1975. A artista também já foi diversas vezes indicada ao Grammy Latino e conquistou o importante prêmio musical em 2003.

A verde e rosa pretende abordar no decorrer de sua apresentação a fé da artista, a cultura de sua terra natal, o Maranhão, além do seu legado para o futuro através da criação da Mangueira do Amanhã. A expectativa é repetir, mais uma vez, façanhas de outrora e alcançar um título de campeã do Carnaval carioca homenageando um grande nome das artes brasileiras, assim como aconteceu com Braguinha, Dorival Caymmi, Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque e Maria Bethânia.

Fala a Marrom:

“Não pode faltar alegria, o prazer de desfilar. É isso que o mangueirense tem. As coisas do Maranhão eu sei que os carnavalescos estão cuidando disso e a Mangueira não vai deixar de fora, mas agora cabe ao desfilante, que ama essa escola, que veste com orgulho o verde e rosa, dar o seu melhor. Então, não pode faltar é a felicidade e o charme do mangueirense”

A tentativa de convencer a artista a receber o tributo já tinha ocorrido anteriormente, mas ela nunca havia concordado. “Graças a Deus, desta vez ela aceitou, o que, para nós, é uma honra. Está sendo um processo muito gostoso, porque ela também está acompanhando. Temos um suporte muito grande, não só da Alcione, como de toda a família, dos funcionários e assistentes dela. Graças a isso pudemos fazer diversas entrevistas que foram fundamentais para nosso trabalho”, contou Annik Salmon.

Segundo a carnavalesca, a decisão pela escolha de Alcione como tema representa um conjunto de desejos: um sonho antigo da presidente da escola, Guanayra Firmino; a efeméride da homenagem ser realizada no ano em que a cantora completa 50 anos de carreira, além do desejo da própria dupla e da comunidade. “A gente começou a pesquisar como seria o enredo deste ano antes mesmo do fim do carnaval do ano passado. Quando acabou o desfile, vimos a comunidade inteira em peso pedindo no Twitter, Instagram, todos os mangueirenses pedindo Alcione e a gente pode atendê-los e seguir com a nossa vontade também”, disse Annik.

Segundo Annik, quando começaram as conversas com a cantora e pessoas da família, para explicar como pretendiam desenvolver o enredo, não havia sequer um rascunho da sinopse. “Apresentamos uma proposta ainda muito crua do que a gente queria, mas ela acreditou naquilo que a gente ainda podia desenvolver. Quando finalmente apresentamos a sinopse, ela e as irmãs ficaram muito felizes e emocionadas”.

“Eu nunca pensei em ser em enredo da minha escola. Para mim, isso é o máximo que um artista pode querer alcançar: ser enredo de uma escola de samba, principalmente da minha Estação Primeira de Mangueira. Estou muito feliz, muito orgulhosa, por mim, pela minha família, pelo meu estado, que é o Maranhão, e por todos os meus amigos. A Mangueira é uma instituição séria, maravilhosa, então fico muito lisonjeada, honrada de ser enredo dessa escola”.

A Marrom tá que tá com o desfile. E tem se empenhado em convidar amigos e parceiros da longa carreira para participar da homenagem. Em vídeo que recentemente viralizou nas redes sociais ela aparece convencendo a cantora Ludmilla a desfilar: “Você tem que vir desfilando na Mangueira comigo. Meu enredo é sobre as vozes negras do amanhã e você é uma voz negra do agora”. A funkeira mais famosa do Brasil em todo o mundo não deixou a bola cair e emendou de primeira: “tô contigo!”

A carnavalesca Annik Salmon, naturalmente, não quis revelar muita coisa do que será visto na avenida. “Mas vamos trazer muito de um lado, não só da artista Alcione, mas o lado humano, que é muito próprio da atuação dela na Mangueira, que é, por exemplo, a mulher que promovia festas de 15 anos de pessoas da comunidade, que trazia os padrinhos artistas e cobrava desempenho das crianças da Mangueira do Amanhã, de ir à casa das pessoas para ajudar. Tem um lado humano imenso, além do lado artístico já conhecido. E tem também uma questão muito forte da fé da Alcione, que transita e não é uma coisa única. É uma coisa das forças do bem”, garantiu. No fim, vale o comentário da homenageada: “O mangueirense é uma pessoa especial, que pertence a uma escola especial. Eu sempre achei o seguinte: antes da Mangueira passar, ninguém sabe quem ganhou o Carnaval. É com esse espírito que nós vamos para a Avenida”.

“Não pode faltar alegria, o prazer de desfilar. É isso que o mangueirense tem. As coisas do Maranhão eu sei que os carnavalescos estão cuidando disso e a Mangueira não vai deixar de fora, mas agora cabe ao desfilante, que ama essa escola, que veste com orgulho o verde e rosa, dar o seu melhor. Então, não pode faltar é a felicidade e o charme do mangueirense”.

HOMENAGENS MIL

No ano passado a Mangueira completou seus primeiros 95 anos e adicionou mais um título aos muitos que conquistou ao longo de sua história. O samba-enredo com o qual a escola desfilou em 1988 (“100 Anos de Liberdade, Realidade Ou Ilusão”) se tornou, por meio de uma lei aprovada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o hino oficial das comemorações do dia 20 de novembro, data do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares e Dia Nacional da Consciência Negra. A Lei nº 9.988/23, é de autoria do ex-deputado Chiquinho da Mangueira, também ex-presidente da Verde e Rosa. Ela foi sancionada pelo governador do Rio, Cláudio Castro, e publicada no Diário Oficial em 10 de abril de 2023. Com o samba composto por Hélio Turco, Alvinho e Jurandir, a Mangueira foi vice-campeã naquele ano.