Luisa Prochnik
Oamor pela cidade do Rio de Janeiro tatuado na pele: esta é a escolha de vários cariocas, brasileiros de outras cidades e estrangeiros. A experiência de se curtir um momento ou morar a vida inteira numa cidade maravilhosa muitas vezes é motivo para eternizar registros e estes são representados por desenhos dos mais diversos: paisagens, personalidades, animais locais.
Zé Pelintra, ou apenas seu Zé, é o rei da malandragem, das ruas, das madrugadas, da boemia. Histórias contam sobre sua origem e devotos apontam sua importância religiosa, mas o fato é que o malandro se tornou a representação da alma carioca. Nascido e criado no Grajaú, zona norte do Rio de Janeiro, Giovanni tem um Zé Pelintra para chamar de seu, tatuado na perna. Após passar um ano e meio na Irlanda, ele, que já tinha viajado para lá com o traçado do Estado do Rio riscado no corpo, sentiu tanta saudade quando estava longe que passou a valorizar ainda mais a cultura carioca. Ao retornar, decidiu fazer mais um desenho permanente em seu corpo, agora em homenagem à cidade onde voltou a morar.
– Eu sempre gostei da imagem do Zé Pelintra. Pra mim, ele é a personificação do carioca, com seu jeito leve de levar a vida e toda a malandragem, sempre para o bem – explica Giovanni.
A autora das duas tattoos de Giovanni é Ana Paula Cruz. Fera no desenho desde criança, ainda trabalhou com moda antes de se tornar tatuadora, mas, há dois anos e meio, cria ilustrações autorais para aqueles que querem marcas eternas em sua pele. O Zé Pelintra está dentro de uma série de selos idealizada por ela para homenagear a cidade. Até o momento, são quatro desenhos, sendo um deles uma mistura colorida interessante entre a pintura ‘A Noite Estrelada’, de Van Gogh, as imagens dos Arcos da Lapa e do Cristo Redentor.
Outra que tatuou o Rio de Janeiro por saudades da terrinha foi a carioca Julia Assis. A primeira – a silhueta do Morro Dois Irmãos – foi desenhada antes de se mudar para São Paulo, onde não conseguiu morar por mais de um ano. E a segunda tatuagem ganhou espaço em seu corpo quando voltou ao habitat preferido, o Rio de Janeiro, marcando o retorno com o traçado dos Arcos da Lapa. Hoje, ela tem uma terceira tatuagem que traz o estilo do profeta Gentileza, uma personalidade da cidade. Acontece que, além de ela mesma homenagear a cidade em sua própria pele, Julia, fotógrafa, quis registrar em livro pessoas igualmente apaixonadas pelos cenários cariocas, com histórias diversas relacionadas ao Rio de Janeiro, e que tatuaram referências à cidade na pele.
– Por exemplo, fotografei amigas que comemoraram vinte anos de amizade e que fizeram a mesma tatuagem de pontos turísticos. Teve um europeu que tatuou a sua imagem surfando com o Dois Irmãos atrás. Outra que vendia Acarajé em Santa Teresa, era baiana, mas morava aqui. E tatuou o Morro dos Prazeres – relembra Julia.
O livro ‘Rio, eu tatuo’ traz fotos belíssimas de corpos desenhados próximos aos cenários que deram origem às tattoos. Em meio a tantos apaixonados, uma história Julia fez questão de detalhar.
– O João Pedro cresceu indo ao Jardim Botânico com os primos assistir ao avô treinando Tai Chi Chuan. E ele disse que o avô sempre falava para eles abraçarem todas as árvores no caminho inteiro das palmeiras do Jardim Botânico, porque as árvores davam boas energias. Aí, ele e os primos sempre que chegavam lá iam abraçando uma a uma. Então, ele tatuou o caminho todo das árvores do Jardim Botânico.
Há também aqueles que tatuam homenagens ao Rio em meio a um cenário exuberante da Cidade Maravilhosa. No Pão de Açucar, um cartão-postal super cotado para estampar peles por aí, fica uma das sedes da Base Tattoo, um estúdio montado dentro de um bondinho desativado.
– O público que costuma tatuar no estúdio é composto por turistas brasileiros e estrangeiros. Muitos residentes também, por estarem em um momento de passeio e descontração, acabam se tatuando. As tatuagens mais pedidas são dos pontos turísticos do Rio – como a silhueta do próprio Morro da Urca e do Pão de Açúcar, do Cristo redentor e referências às praias cariocas – e animais da fauna local – conta Caio Fonseca, empresário, dono da Base Tattoo.
A posição privilegiada é inspiração para a criação de infinitas possibilidades de tatuagens em homenagem ao Rio de Janeiro. Rafaella Marzocca, gerente de loja, trabalha no local e, desde que veio de São Paulo, há três anos, tem, diariamente, o Cristo Redentor como testemunha desse novo capítulo de sua história. Um dia, conversando com o Sancho, um tatuador da Base Tattoo, na Urca, sobre possibilidades de se tatuar imagens da cidade, mas sem ser de forma tão óbvia, ela falou sobre sua paixão pela Hello Kitty. Assim, surgiu a Hello Kristo: a cabeça da Hello Kitty com o corpo e as roupas do Cristo Redentor.
– Depois de um tempo que estava lá disponível, ninguém tinha tatuado a Hello Kristo ainda. E eu pensei: ‘Bom, eu acho que ninguém está tatuando porque eu preciso ser a primeira a tatuar este desenho’. Mesmo antes de ela existir, eu já queria fazer uma tatuagem, mas não sabia o quê. E eu não queria tatuar um Cristo Redentor, um Bondinho Pão de Açucar ou um Arcos da Lapa, eu queria tatuar algo que representasse também essa minha mudança, minha paixão pela cidade. Este é o motivo da tatuagem: junta a Rafaella com a cidade do Rio de Janeiro – conclui a dona da Hello Kristo.