Estudantes do Rio de Janeiro ocupam o top 1 no ranking de estados com mais notas mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desde 2018. No mesmo período, os candidatos fluminenses tiveram a nota média acima da média nacional nas provas de todas as áreas de conhecimento. Entretanto, os resultados aparentemente positivos, quando observados com maior profundidade, revelam a desigualdade e o desperdício de potencial dos nossos estudantes.
A última edição do Enem, realizada em novembro, contou com cerca de 280 mil inscrições de candidatos fluminenses, o que representa 7,2% dos 3,9 milhões de inscritos no Brasil. Mulheres e negros são maioria, representando, respectivamente, 62% e 52% dos concorrentes no Rio. A diversidade racial e de gênero entre os que desejam chegar ao ensino superior, no entanto, é barrada pelos obstáculos invisíveis (mas muito reais) da concentração de renda do estado, que resultam em um perfil elitizado nas universidades públicas.
De acordo com o doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (LaPOpE), Tiago Bartholo, o nível socioeconômico da família é um fator determinante para o desempenho do aluno no exame. O segundo relatório da pesquisa “Oportunidades educacionais de estudantes concluintes do Ensino Médio”, desenvolvido pelo LaPOpE e pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdades da UFRJ, revelou que há uma imensa diferença de resultado entre alunos da rede pública e privada e que os estudantes da primeira são maioria entre os piores desempenhos.
“A nota importa. Não é só ir lá e fazer a prova. Se você fizer a prova e tiver um resultado muito ruim, do ponto de vista prático, você tem uma nota nada competitiva, ou seja, uma nota que não permite o aluno acessar nenhum curso superior”, explicou o professor. Quase 30% dos candidatos ao Enem 2021 tiraram notas que não lhes permitia passar em nenhuma faculdade.
A disparidade de resultados não é consequência apenas da diferença na qualidade do ensino, mas também das oportunidades educacionais a que estes jovens têm acesso e às características da rede de apoio e dos ambientes vivenciados, que envolve desde aulas de reforço até a garantia de segurança para ir à escola.“Essa desigualdade social aparece muito claramente no Enem. A família e o contexto imediato da criança e do jovem importam muito. Todas as experiências a que eles têm acesso influenciam diretamente nas oportunidades e nos aprendizados efetivos que têm. A escola importa, mas não é tudo”, complementou o especialista.
Pesquisas mostram que os jovens fluminenses precisam ter acesso à qualidade de vida desde a mais tenra idade, para que haja condições igualitárias, e, assim, direitos básicos não se tornem filtro de segregação no Enem
As notas do estado acima da média nacional são um exemplo da relação entre desempenho e nível socioeconômico. O Rio de Janeiro possui maior renda per capita que a média do país, e, portanto, têm mais acesso à educação que outras unidades federativas. Equiparado aos estados da região Sudeste, contudo, o RJ cai no ranking. Nos últimos cinco anos, esteve abaixo ou muito próximo à média da região na maioria das provas.
“Sem dúvida é um desperdício de recurso humano. Recentemente, o atual ministro da Fazenda e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que o Ensino Médio é o nosso principal gargalo na educação e eu concordo com esse argumento. Eu acho que sempre que a gente tem jovens que não realizam o seu potencial, a gente tem uma perda de produtividade e de renda. Aquele jovem perde, a sua família perde e a sociedade perde.”
Para além de realizar a inscrição, as pesquisas demonstram que os jovens fluminenses precisam ter acesso à qualidade de vida desde a mais tenra idade, para que haja condições igualitárias, e, assim, direitos básicos não se tornem filtro de segregação no principal exame de acesso ao ensino superior.