Em entrevista ao repórter Aydano Motta, o prefeito exalta valor da experiência, compara seus três mandatos, fala de derrotas eleitorais e da convivência com o governador Claudio Castro
Rio Já: Qual a diferença do Eduardo Paes, nesta gestão, para o prefeito das duas primeiras?
Eduardo Paes: Primeiro, tem um fator que não é trivial: nas minhas duas outras administrações, tive que ser dois prefeitos, o da cidade e o de uma edição dos Jogos Olímpicos. Trouxe oportunidades, por óbvio, mas o tempo dedicado à construção olímpica, sem dúvida nenhuma, fez diferença enorme. Segundo, é evidente que tem aqui uma pessoa mais experiente, que conhece melhor os problemas da cidade, que escuta mais. Acho que com o amadurecimento, você fica menos senhor das suas convicções. Continua com elas, mas aprende que há outras opiniões a serem consideradas. Claro, no fim a direção é sua, mas ouvir os outros é mais importante.
Rio Já: Qual o maior ganho para o mandato atual?
Paes: É saber aquilo que, de fato, importa para a população. Então, realizo meu melhor mandato dos três. Do ponto de vista político, tenho independência maior, porque foi a eleição que ganhei mais sozinho, com menos apoios. Não que isso me atrapalhasse, mas é óbvio que certa liberdade na condução política facilita muito a forma de governar.
Rio Já: Em relação aos grandes eventos – Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo e Olimpíadas –, quais foram as evoluções e fracassos da cidade?
Paes: Uma cidade com as características do Rio, um destino internacional desejado, tem que sempre sustentar sua identidade. Os grandes eventos por si só têm um legado intangível, que é até difícil de mensurar, mas muito importante. Por exemplo, consegui trazer a sede do G20 (os 20 países mais ricos) ano que vem. Aquela foto de todos os caras que mandam no mundo, com o Pão de Açúcar atrás, ajudará a garantir essa identidade internacional tão fundamental. Aí, ligou o Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central) e me disse que vai ter a reunião dos ministros de Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, planejada para São Paulo e Brasília. “Eduardo, eu e o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, decidimos fazer no Rio, porque literalmente todos perguntaram se não ia ter nada na cidade”. Isso é muito importante para nossa identidade. Então, esses eventos, na minha opinião, só trazem ganhos à cidade.
Rio Já: E benefícios materiais?
Paes: A verdade é que entregamos muito mais do que estava previsto no projeto. O VLT no Centro, o Porto Maravilha, a linha 4 do metrô. Não estou dizendo que foi uma perfeição, mas a verdade é que o legado físico para a cidade foi muito maior, inclusive, do que o apresentado na candidatura. Acho, então, um ganho excepcional.
Rio Já: O senhor é um raro político que assume erros. O que faria diferente hoje, em relação aos dois primeiros mandatos?
Paes: No campo do urbanismo, fiz muito Minha Casa Minha Vida na Zona Oeste, porque queria ser o recordista brasileiro de construção em habitação popular. E aí, o terreno na Zona Oeste é muito mais barato, tem muito mais área livre, dava muito menos trabalho para fazer e exagerei na quantidade. O PEU (Plano de Estruturação Urbana) das Vargens (Zona Oeste) também provocou adensamento exagerado, que agora pude corrigir. São erros óbvios. O projeto da Transoeste tinha defeitos que estou consertando agora. Graças a Deus, estou de volta e consigo ajustar alguns desses erros. Devo estar cometendo outros agora… Mas busco errar menos, porque estou ouvindo mais.
Rio Já: Por falar em transporte, é um setor difícil de evoluir. Quais seus planos para fazer as empresas cumprirem suas obrigações?
Paes: O setor tem todos os defeitos públicos e notórios. Diria que tem aí um legado positivo da Lava Jato, a relação e a cobrança são muito mais rígidas. Os instrumentos estão mais fortes, a Justiça dá menos liminar para as empresas. Ao mesmo tempo, o período de quase 10 anos de crise brasileira, o aumento do desemprego, a pandemia, tudo botou as empresas no chão com a língua de fora. E há uma cultura muito difícil de ser superada. Vai demorar algum tempo para eles entenderem que têm de cumprir o que assinam. O que a gente espera é isso.
Rio Já: A questão da refrigeração virou um folclore carioca.
Paes: Outro dia, uma juíza deu liminar me proibindo de descontar o subsídio do ônibus que não tivesse ar-condicionado. Inacreditável. Se não posso cortar o incentivo, aí o cara prefere não ligar o ar-condicionado, mesmo que esteja funcionando, para economizar combustível. Eles mesmos dizem que o ônibus com refrigeração gasta 20% a mais de combustível. Então, se estiver desligado, corto 20% do subsídio. E aí, fui proibido. Graças a Deus, a Justiça recuou em parte. Posso descontar, mas tenho que depositar judicialmente. Ou seja, essa mudança é um desafio permanente. Aliás, ando até preocupado comigo mesmo, porque fiz a estatização do BRT e estou adorando a minha estatal Mobi Rio (risos). As coisas andam. A gente encontrou um supernome que é a Cláudia Cecim, mulher braba para valer. A minha Claudinha Formiga. Mas a gente está buscando organizar para voltar com a concessão.
Rio Já: O Rio é o berço do bolsonarismo. Nós, cariocas, inventamos essa coisa para o Brasil. E o senhor se posicionou de maneira muito veemente contra o Bolsonaro ainda presidente. Foi calculado?
Paes: No período em que me elegi prefeito e o Bolsonaro estava na presidência, buscava o tom da relação institucional. Então, deixava claro que não era aliado daquele projeto político, mas minha obrigação como prefeito é me relacionar de maneira elegante, educada e correta com qualquer governante que lá estiver eleito pelo povo. Era o caso ali. O processo eleitoral é o momento em que você, aí sim, mesmo numa posição de prefeito, pode explicitar suas posições, fazer a diferença política de maneira mais enfática. Se ele tivesse vencido, eu, no dia seguinte, reconheceria a vitória e voltaria a ter relações institucionais adequadas. Não sei se seria o caso dele.
Rio Já: E os bolsonaristas?
Paes: Minha obrigação como governante é manter a relação institucional. Respeito o adversário, mas não dou atenção para maluco. Não me incomodo, não me sinto sofrendo bullying, nem me deprimo com ataques organizados, no estilo deles. Não estou nem aí. Mas tem muitos eleitores do Bolsonaro que são pessoas sérias, têm visão orgânica do mundo diferente da minha. Acho que é importante ouvir. Só não presto atenção em maluco. Briga comigo, mas vai brigar sozinho.
Rio Já: E com o Claudio Castro, um bolsonarista moderado?
Paes: É uma figura ótima, superfácil de conviver. Diria que tenho relação de amizade com ele, de carinho recíproco. Mas temos nossas diferenças políticas. Faço tudo que posso para ele ir bem, porque é bom para o Rio. Na eleição, achava o (ex-prefeito de Niterói) Rodrigo Neves mais qualificado. Mas no nosso lugar, temos que dialogar com todo mundo. Com quem achamos bom, ruim, honesto, bandido, esse é o nosso papel.
Rio Já: Determinadas ações municipais, em especial o combate à habitação ilegal, são quase de polícia, dependem muito da ajuda das forças de segurança. Esse contato é direto com ele?
n Paes: É óbvio que ambos esperamos que as máquinas se falem. Então, eventualmente, precisamos entrar juntos, porque ou eu vou pedir alguma coisa ou ele vai falar algo comigo que pode ter dado curto-circuito lá embaixo. Mas, nessas operações de combate à construção ilegal, de milícia e tal, a gente conta com diálogo permanente entre o secretário de Ordem Pública e as polícias Civil e Militar.
Rio Já: O senhor e o governador conversam sempre?
Paes: Nós nos falamos com muita frequência, trocamos WhatsApps permanentemente. É impossível passar uma semana sem eu conversar com ele. O que acho muito positivo e importante.
Rio Já: Quando o senhor tentou ser governador, perdeu de um aventureiro surrealista, o Wilson Witzel. Que lição ficou daquele processo?
Paes: Era uma eleição muito difícil de ganhar. O ambiente ali era para um doido feito ele. Sou democrata, estou acostumado. A gente ganha, a gente perde. O que me incomodou naquela eleição foi a ação daquele juiz federal afastado, Marcelo Bretas, que deliberadamente buscou me incriminar em coisas que não cometi. Viver isso de um magistrado do Poder Judiciário é o que me indigna. Mas ele está respondendo pelos crimes. Sobre a eleição, faz parte do jogo. O que não faz é um magistrado interferindo no processo eleitoral. Inaceitável.
Rio Já: Como quer ver, à luz da história, completada a frase “Eduardo Paes foi o prefeito que…”?
Paes: Foi o mais carioca de todos os prefeitos e o que mais fez pelo Rio. Já fico feliz.