CIDADE: PAES REFAZ O RIO PARA VOAR ALTO

O transporte público é uma das prioridades da gestão do prefeito

Aydano André Motta (com Carolina Barbosa)

A paixão pelo Cachambeer e pela Portela, a opção por um estilo típico do Rio (bem próximo de clichês famosos da cidade) e o inquebrável orgulho do cargo que ocupa acompanham Eduardo Paes desde o primeiro mandato como prefeito. No mais, o carioca, 54 anos no próximo dia 14, substituiu a metamorfose ambulante que marcou boa parte de sua trajetória política por atitude mais serena, de mais reflexão e diálogo.

Pode ser a idade, talvez a segurança pela terceira passagem na chefia do Executivo municipal – o certo é que a receita está funcionando. Paes conjuga movimentos contundentes, como a reestatização do BRT e a cruzada contra construções ilegais (atividade conectada às temidas milícias), e o diálogo conciliador com políticos de outras trincheiras, a começar pelo governador Claudio Castro.

A cidade, com isso, vai sendo reconstruída em duas frentes – a material, com projetos importantes em vários setores (e Rio Já lista meia dúzia deles, entre os que mais impactam a população); e a da imagem, com o renascimento da autoestima dos cariocas. Precisava, depois da destruição realizada pelo inquilino anterior da Prefeitura, o bispo neopentecostal Marcelo Crivella, que, de tão trágico, sequer pôde passar o cargo ao sucessor, impedido pela Justiça.

Derrotado na tentativa de ser governador, em 2018, pelo surrealista Wilson Witzel, Eduardo Paes credencia-se agora a voos maiores, além de sua mais do que provável reeleição, ano que vem. Aliado a forças políticas progressistas (o PT, poder em Brasília, faz parte do seu governo), e conservadores moderados, mantém distância prudente da maluquice bolsonarista. A maioria do eleitorado simpatiza com o (novo) estilo.

Ao analisar sua trajetória numa entrevista exclusiva, o prefeito reconhece erros sem rodeios nem meias palavras, fala de dores e delícias das disputas políticas e revela como quer ser lembrado no porvir.

Vem aí o Jaé, novo sistema de bilhetagem digital

A SALVAÇÃO DO BRT

O sempre sensível transporte público carioca mergulhou num colapso durante a pandemia – e o sistema BRT firma-se como a grande alternativa para a população recuperar um serviço de qualidade. A prefeitura empenha-se numa batalha pela eficiência no modal, com a compra de quase 700 novos ônibus, reforma de todas as estações, reconstrução da pista do corredor Transoeste em concreto e transformação de quatro estações em terminais.

A obra de conclusão do corredor Transbrasil (que se arrasta desde os primeiros governos de Eduardo Paes) e a construção do Terminal Gentileza, que irá integrar o BRT ao VLT e aos ônibus municipais, vão contribuir para a evolução. Além disso, a Prefeitura está implantando o Jaé, novo sistema de bilhetagem digital, nos modais de transporte coletivo regulados pelo município.

O prefeito Eduardo Paes se engaja pessoalmente na luta contra a depredação de veículos e estações do BRT, denunciando os vândalos e cobrando punições. A Guarda Municipal trabalha na vigilância do patrimônio, constantemente atacado pelos infratores.

Ainda na cruzada pela melhoria do sistema, o Executivo municipal formalizou acordo com o Ministério Público Estadual e consórcios operadores de ônibus, possibilitando a retomada de 84 linhas pela cidade. O reforço representa a reativação de mais de 630 pontos em 18 bairros.

Para fomentar a recuperação do Sistema BRT, investimento de R$ 2 bilhões em parceria com o governo federal possibilitou a compra

dos 628 ônibus. Em 2024, toda a frota do sistema BRT estará renovada.

No último dia 10 de outubro, a Prefeitura recebeu os 21 primeiros BRTs com a tecnologia sustentável Euro 6, capazes de reduzir em até 80% a emissão de gases poluentes. Com estes veículos, o Rio se tornou a primeira cidade brasileira a adquirir articulados compatíveis com a norma ambiental Proconve P-8, o que reforça o compromisso Rio com a sustentabilidade.

Em setembro, foi inaugurado o Terminal Deodoro, o primeiro dos quatro previstos para o Transbrasil. A obra é considerada estratégica para a mobilidade da região, com a integração do BRT Transolímpica, ônibus convencionais urbanos, Supervia e, no futuro, com o Transbrasil.

‘BOTA ABAIXO’, NO SÉCULO 21

A permanente batalha contra habitações ligadas ao crime organizado, no Rio, produziu um “bota abaixo” que atingiu exatas 2.970 construções por todas as regiões da cidade, desde o início do atual governo. Sete em cada dez foram erguidas em áreas dominadas pela milícia ou pelo tráfico de drogas.

A região campeã nas demolições, previsivelmente, é a Zona Oeste. O trabalho, pelas contas da Secretaria Municipal de Ordenamento Público (Seop), causou prejuízo de R$ 405 milhões aos responsáveis. “Ainda que no âmbito municipal, a gente consegue ajudar na segurança pública, interrompendo o ciclo de lucratividade das quadrilhas”, argumenta o secretário Bruno Carnevale. 

Em 2023, cerca de 900 imóveis foram derrubados. Na operação recente de maior relevância, três construções irregulares, entre elas um prédio de três pavimentos, tombaram no Rio Comprido, próximo ao Complexo do Turano, na Zona Norte. Os imóveis estavam em estrutura e alvenaria, sendo erguidos em área pública, sem autorização nem licença.

As atuações da Seop também são baseadas em outros dois pilares: preservação da vida e ordenamento da cidade. Uma das principais críticas às operações, no entanto, era a falta de aproveitamento das estruturas como bens públicos, evitando reinvestimentos.

Após várias reivindicações, a Prefeitura determinou, em decreto editado no início de outubro, que as construções erguidas com recursos de associações criminosas poderão ser utilizadas para instalação de equipamentos urbanos voltados à prestação de serviços públicos, preferencialmente à promoção da saúde e educação.

No dia seguinte à publicação no Diário Oficial, o governo determinou que um prédio de dez andares no Vidigal, na Zona Sul, viraria Clínica da Família. Com quatro apartamentos por pavimento, além de duas coberturas duplex, a construção foi embargada porque ali só são permitidos imóveis unifamiliares e de altura muito menor.

O prédio terá metade dos andares demolidos e, no restante, abrigará seis equipes de saúde da família. A obra tem conclusão prevista para março de 2024.

Carioca: Centro vai ganhar novos moradores

CENTRO RENASCE VIRANDO RESIDÊNCIA

Essencial na história carioca, o Centro do Rio padece numa decadência profunda desde a fase aguda da pandemia. Esvaziado, cruza os dias como se fosse um permanente domingo, de lojas vazias, calçadas ociosas, melancolia. Agora, há o Reviver Centro, projeto de estímulo à recuperação econômica, urbanística e cultural da região, com a atração de novos moradores e o estabelecimento de diretrizes para renovação, qualificação e manutenção do espaço público e os bens históricos.

A iniciativa vai ampliar a oferta de imóveis habitacionais, para o uso residencial servir de alicerce à requalificação urbana. Sancionada em 2021, previa incentivos fiscais e permissões de novos usos para fomentar a construção de novas moradias e o retrofit de prédios comerciais, convertendo-os em edifícios para moradias ou de uso misto. Em 2023, uma revisão à legislação foi aprovada, ampliando ainda mais os incentivos para alavancar a construção de moradias.

Desde julho de 2021, foram 44 pedidos de licença, dos quais 32 concedidos. No total são 3.629 unidades residenciais: 2.446 licenciadas e 1.183 em tramitação.

No bojo do projeto maior, a Prefeitura lançou ainda o programa Reviver Centro Cultural, para recuperar e reocupar imóveis ociosos, levando mais movimento à região. Vai funcionar no quadrilátero entre as avenidas Presidente Vargas, Rio Branco e Primeiro de Março; a rua da Assembleia; e trecho da Orla Conde, contando com subsídio público. O município vai custear até R$ 192 mil (R$ 1 mil/m2) para a reforma dos espaços e até R$ 14,4 mil (R$ 75/m2) para o pagamento de despesas mensais, como aluguel e luz. O repasse terá duração de 30 a 48 meses.

O projeto também possibilita a preservação do patrimônio histórico – e beneficia diretamente a Rua da Carioca, com seus imóveis tombados. A via tradicional praticamente morreu com a pandemia e a especulação imobiliária. Para lá, foi criado o projeto Rua da Cerveja, que, estima a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, deve movimentar R$ 222 milhões em quatro anos. A expectativa é que sejam criados 500 novos empregos. 

O DEVORADOR DE FILAS

O Super Centro Carioca de Saúde completou um ano de funcionamento em outubro com resultados expressivos, que produziram algo impensável anos atrás: redução da fila do Sistema de Regulação (Sisreg), acumulada entre 2016 e 2021. Desde a inauguração, o serviço atendeu aproximadamente 530 mil pessoas, batendo até a previsão mais otimista da Prefeitura do Rio.

O tempo médio de espera para consultas e exames caiu à metade, de 160 dias em 2020, para 80 dias agora. A expectativa da Prefeitura é ambiciosa: diminuir o período para, no máximo, 30 dias até o fim do ano que vem.

A Secretaria Municipal de Saúde investiu R$ 250 milhões nas obras do aglomerado de consultórios. Juntos, o Centro Carioca de Especialidades (CCE), o Centro Carioca do Olho (CCO) e o Centro Carioca de Diagnóstico e Tratamento por Imagem (CCDT), oferecem até 113 mil atendimentos por mês. “Tem cara de hospital particular. Rede D’Or perdeu!”, brincou o prefeito, no personagem que cultiva nas redes sociais.

Satisfeito com o resultado da instalação em Benfica, Paes planeja criar nova unidade. “Tenho um sonho: fazer o Super Centro Carioca West, porque diminui o deslocamento das pessoas”, projeta. Mesmo com o transporte facilitado pela linha exclusiva gratuita para pacientes, que circula pelos arredores de Benfica, o tempo de viagem dificulta o acesso. O prefeito informou que estuda adquirir um prédio em Campo Grande, Santa Cruz ou Bangu para a construção do segundo Super Centro.

Apesar dos avanços e das promessas de expansão, alguns pacientes consideram um mês tempo demais para a espera, principalmente em casos mais complexos, que envolvem redução da qualidade de vida.

“A área de maior desafio é oftalmologia, pelo volume de pacientes. A gente avançou muito, mas ainda tem muito o que avançar”, reconhece Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde. Segundo ele, a partir de 2024, o Super Centro será capaz de realizar transplantes de córnea. As principais especialidades oferecidas atualmente são cardiologia, neurologia, pneumologia, cirurgia de catarata, tratamento de glaucoma, nefrologia, ortopedia e angiologia.

Retomar voos no Galeão: prioridade

CRUZADA PELO GALEÃO 

Não sobrou lugar para eufemismos na luta de Eduardo Paes para ressuscitar o esvaziado Aeroporto Galeão/Tom Jobim, prejudicado pela concentração de voos no Santos Dumont. “Canalhice inaceitável”, disparou nas redes sociais, quando a Infraero revisou de 9,9 milhões para 15,3 milhões de passageiros por ano (54,5%) a capacidade do pequeno terminal do Centro. Revitalizar o Galeão virou, para ele, profissão de fé – recompensada pelo governo federal, que rearrumou os voos, acabando com o desequilíbrio.

A Prefeitura atuou, desde o início da gestão, pela recuperação do aeroporto internacional, como o principal hub de embarque e desembarque da cidade – o Rio é a porta mais importante do Brasil para os turistas estrangeiros. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE) elaborou estudos do setor, apontando alternativas para resolver o problema.

Após uma maratona de reuniões e negociações, os voos do Santos Dumont começaram a migrar para o Tom Jobim, dando início à recuperação que se consolidará a médio e longo prazo. Companhias aéreas nacionais divulgaram o aumento do número de voos e rotas para o aeroporto da Ilha do Governador. Empresas internacionais como a Lufthansa fizeram o mesmo.

“Os voos domésticos têm que ser para conexão no Galeão, atraindo voos internacionais. O Rio precisa de um aeroporto internacional. Sabemos dos problemas da cidade, mas não podemos permitir que o Galeão seja destruído. Chega de perder vocações!”, atacou o prefeito, ainda na época das negociações.

Segundo estimativas da SMDUE, um setor aeroportuário eficiente pode, em 10 anos, aumentar o PIB do Estado do Rio em R$ 50,6 bilhões e gerar 684 mil empregos. Além disso, permite acrescentar 0,6% ao PIB do Brasil no mesmo período. O equilíbrio tem potencial gerador de emprego e renda para cariocas e fluminenses; facilita o acesso de passageiros estrangeiros na cidade, movimentando o turismo e os negócios; torna mais barata a entrada de produtos estrangeiros no Rio; e permite reduzir os preços das passagens aéreas para os cariocas viajarem.

DO PORTO MARAVILHA AO MARAVALLEY

Um dos berços da civilização carioca, a região do Porto não para de ensinar lições à população. Muita gente olhou com desconfiança a implosão da Perimetral – mas dos escombros surgiram as belezas da Orla Conde e do Boulevard Olímpico. Durante alguns anos, ficou faltando morador, deficiência que começa a ser corrigida.

Com incentivos fiscais, pipocam na região empreendimentos destinados a atrair pessoas que se encantem por viver nas franjas do Centro, com farta oferta de transporte público e infraestrutura urbana. Grandes empresas também desembarcam nas cercanias, para movimentar a economia e turbinar o setor de serviços.

Nos últimos dois anos, foram lançadas aproximadamente 6 mil unidades residenciais na área – 70% delas vendidas. O povoamento da região obriga a investimentos estruturais, como a expansão do VLT até o Terminal Intermodal Gentileza (vizinho da Rodoviária Novo Rio e do Into), onde o modal se unirá ao sistema BRT e a 22 linhas de ônibus convencionais, viabilizando baldeações dos passageiros. A ampliação deve elevar a capacidade do terminal para 130 mil passageiros por dia.

O icônico edifício A Noite, na cabeceira da Avenida Rio Branco, foi vendido pela Prefeitura por R$ 36 milhões, além de R$ 12 milhões que virão do potencial adicional, previsto nas regras do Reviver Centro. O prédio passará a ter 447 apartamentos residenciais e três lojas no térreo.

Outra frente de investimentos na Zona Portuária é o Porto Maravalley. Por meio de incentivos, vai funcionar ali uma nova unidade do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e um hub de tecnologia, que demandarão aporte de R$ 30 milhões em obras de adequação do galpão, além de mais 50 milhões pelo terreno e suas certificações. Com sua sede original no Jardim Botânico, o Impa estreará o primeiro curso de graduação na Zona Portuária. Todos os alunos serão bolsistas.

O Maravalley ainda terá espaço de dez mil metros quadrados para o uso das empresas, startups e alunos do curso de graduação.