Luisa Prochnik
Na cancela, a palavra “PARE” é inócua – afinal, a entrada é livre -, mas pode-se ler como um aviso de que o cenário ao seu redor vai se alterar. E basta atravessá-la para se sentir de volta no tempo. Uma rua de prédios antigos, coloridos, baixos. Som de pássaros, de panela no fogo. Na pracinha, três grandes árvores promovem sombra para crianças em balanços e escorrega. Enquanto se avança pela rua, uma leve subida, uma bicicleta com entregador para próximo a uma portaria. Uma batida da palma da mão e a janela do terceiro andar é aberta. A senhora de cabelos brancos tem uma sacola retornável amarrada a um barbante. Ela reconhece o entregador, há uma relação quase de cidade pequena entre ambos. Da sacada, ela lança a sacola. Na calçada, ele coloca a entrega. E, calmamente, já se despedindo, ela iça o objeto de seu interesse. Esta é a rua Pires de Almeida, localizada no bairro de Laranjeiras.
– Arquitetura, as cores, ser uma rua fechada, silenciosa, tem um quê de uma certa viagem no tempo. Tem uma pracinha com crianças, traz aquele clima que é difícil de achar, especialmente em bairros movimentados como Laranjeiras -, diz a diretora e roteirista Ana Abreu que, há um ano, divide um espaço de trabalho com uma amiga nessa rua.
– É muito gostoso chegar aqui, o silêncio, olhar pela janela, toda vez que entro e saio, traz leveza, sensação gostosa. Traz uma energia boa, leve, solar, colorida – completa.
E se entrar na Pires de Almeida é como voltar no tempo, as marcas da contemporaneidade não podem ser totalmente evitadas. De uns tempos para cá, a rua tornou-se instagramável. E nem adianta o corretor do computador não reconhecer mais esse adjetivo, a palavra já está em alguns dicionários e circulando de boca em boca.
– O “ser instagramável” passou a ser tão usado para caracterizar algo que chama a atenção nas redes sociais que virou sinônimo de bonito e interessante. Ouço pessoas elogiando uma bolsa como instagramável e recentemente vi uma mulher comentando sobre um homem: “não sei se ele é legal, mas é instagramável”. Ou seja, na língua das redes, virou sinônimo do belo, do interessante, do cool – explica Helena Roballo, jornalista em marketing digital.
E se entrar na Pires de Almeida é como voltar no tempo, as marcas da contemporaneidade não podem ser totalmente evitadas. De uns tempos para cá, a rua tornou-se instagramável. E nem adianta o corretor do computador não reconhecer mais esse adjetivo, a palavra já está em alguns dicionários e circulando de boca em boca.
Diariamente, principalmente nos finais de semana, pessoas de todos os lugares vão ao local para tirar e publicar fotos e ganhar likes. E não há espaço mais clicado que o fim da rua, sem saída. O fotografado se posiciona de costas para o corredor de prédios e, por estar mais alto, após um aclive, é possível ganhar um companheiro de peso para fazer sucesso definitivo nas redes sociais: o Cristo Redentor. Ao se colocar no aplicativo, #ruapiresdealmeida ou apenas #piresdealmeida é possível ver casais, modelos, jovens, turistas, filtros com fotos de cores mais estouradas ou no estilo vintage. Mas o que todos querem comunicar?
– Além de mostrar a beleza do lugar que ela mora (ou está visitando)? Ah, acho que ela quer mostrar que conhece o Rio, seus cantos e encantos – comenta Helena.
A rua Pires de Almeida fica no limite entre Laranjeiras e Cosme Velho e apresenta um conjunto de 23 edifícios e 158 apartamentos de um a quatro quartos em torno de uma pequena praça. Sem saída, ao se aproximar do muro de pedra, duas traves de futebol dividem espaço com carros, estes estacionados ao longo de todo o traçado, da entrada da rua até o fim. O local foi um dos primeiros empreendimentos imobiliários da cidade, construído inicialmente para abrigar os empregados de uma companhia de seguro, em 1927.
O ensaio “Pires de Almeida: Reduto da Alma Encantadora das Ruas do Rio de Janeiro” publicado pelos arquitetos Denise de Alcantara e Paulo Afonso Rheingantz propõe-se a analisar os múltiplos aspectos dessa rua, entre eles, sua morfologia, espacialidade, estilo arquitetônico e importância histórica, tendo sido o local um refúgio para críticos do regime militar na época da ditadura. Uma via que chama a atenção, segundo os autores, por apresentar em uma cidade com problema de violência, como o Rio de Janeiro, janelas no térreo, inexistência de elementos de segurança ostensivos e, mesmo assim, baixíssimo índice de criminalidade.
A rua como objeto de estudo, e de admiração, bebe da paixão do cronista João do Rio por esse espaço tipicamente urbano, como se lê na frase destacada pelo ensaio: “a rua é um fator de vida das cidades, a rua tem alma! … a rua é agasalhadora da miséria. …é generosa. O crime, o delírio, a miséria não os denuncia ela. … a rua denuncia para o animal civilizado todo o conforto humano” (livro “A Alma Encantadora das Ruas”, coletânea de crônicas de João do Rio).
Conforto, apontado pelos arquitetos, que se deve ao alinhamento pela fachada do conjunto de edificações, com harmonia de escala e proporção, também ao fechamento da rua, que realça as qualidades espaciais dos edifícios e reforça a qualidade visual do conjunto, assim como aos espaços entre os edifícios, que, na Pires de Almeida, ao serem inexistentes, fica a sensação de abrigo, de proteção e de lugar singular. Além disso, a praça Múcio Leitão produz uma sensação de privacidade e um ponto de encontro e de pertencimento aos que moram e frequentam o local.
Nada que está ali, isoladamente, a deixaria instagramável. O que a torna assim é justamente a harmonia entre o que a compõe: além de uma vista incrível para o Cristo, ela tem prédios antigos charmosos, coloridos e bem conservados. Só a vista ou só
os prédios não chamariam tanta atenção.
Seja qual for o adjetivo, do tradicional ‘charmoso’ ao contemporâneo ‘instagramável’, a rua Pires de Almeida se destaca, mas não está sozinha em meio à Cidade Maravilhosa, conhecida mundialmente pelas paisagens lindíssimas. Na mesma região, Laranjeiras e Cosme Velho, há a rua General Glicério e o Largo do Boticário. No bairro de Santa Teresa, a instagramabilidade e o charme estão em todos os cantos. No Centro, não faltam espaços para fotos estilizadas, como na rua que passa pelo Morro da Conceição e a rua do Lavradio. O bairro da Urca também é celeiro de bons cliques, como a rua Roquete Pinto.