Luisa Prochnik
De tirar o fôlego. No topo do décimo-sexto andar, após subir mais de 270 degraus, a vista para a Pedra da Gávea e Pedra Bonita, em meio à Floresta da Tijuca, com a praia de São Conrado um pouco mais distante, é deslumbrante e convidativa para um mergulho. É estranha também, porque poucos, raríssimos, como nós, tiveram acesso a este ângulo do Rio.
É no alto do “Hotel Esqueleto”, gaiatamente batizado assim por ter apenas a estrutura do que um dia seria um empreendimento de luxo, que a alcunha ‘Cidade Maravilhosa’ faz todo sentido. Por mais de 70 anos, desde sua concepção até execução parcial e paralisação das obras, o Gávea Tourist Hotel, nome original do projeto, faz parte da história do Rio de Janeiro, que agora ganhará um novo capítulo: o grupo Gavea Residence & Incorporações SPE, novo dono, está levando adiante a proposta de revitalizar a construção e lançar um hotel boutique com opção para quem quiser comodidades de um apartamento residencial e quiser ficar por mais tempo.
O Gávea Boutique & Extended Stay Hotel, com previsão de abertura para fim de 2026 ou início de 2027 e diárias que vão variar entre R$ 2 mil a um pouco mais de R$ 8 mil, tem como proposta 80 quartos no estilo boutique e 150 acomodações para hóspedes de longa permanência. Bem distante dos 440 quartos idealizados pelo antigo empreendimento.
– A expectativa é receber público corporativo, público que busca alternativa de morar, público que é o ser em vez de ter. Em vez de ter um apartamento próprio, ele quer estar no local, ele quer experimentar. E vamos propor experiências diferentes, experiências de vida, e muito serviço agregado – explica Marcos Cumagai, conselheiro do grupo dono do espaço.
Entre as diversas possibilidades de serviço, estão pet shop e cuidadores para animais de estimação, enquanto hóspedes saem para trabalhar ou mesmo viajam. E para os que trabalham no esquema home office, haverá espaço adequado e salas para reuniões presenciais. Vale lembrar que o hotel fica em um lugar isolado da cidade, no meio da floresta, e, portanto, a proposta é que o hóspede tenha autonomia sem precisar se locomover. O Rio cosmopolita ao lado de um Rio selvagem, mas cômodo. Um Rio para urbanóides e um Rio para ermitões.
– Quando o turista fala no Rio de Janeiro, ele está pensando, quase sempre, em Copacabana, Leblon, Ipanema ou Barra da Tijuca. E estamos falando da orla, de empreendimentos à beira-mar. Mas nós queremos proporcionar bem-estar entre o mar e a montanha, usar os atributos que são únicos do Gávea, uma missão nossa, para criar excelentes experiências para nossos futuros hóspedes, sejam de longa ou curta permanência. Do ponto de vista de negócio, nós temos um produto que é único e, mesmo assim, está a vinte quilômetros do aeroporto e a 3 quilômetros da praia de São Conrado – projeta Marcos Cumagai.
Admirar a vista, a vida e contemplar a natureza, com tudo o que se quer reunido no mesmo local. Sendo assim, outros serviços que devem fazer parte do novo hotel são spa, academia com personal trainer, piscina aquecida, restaurante, bar e transportes para deslocamentos diversos.
Para hóspedes do hotel boutique, os apartamentos serão de 32, 60, 70 e 75 m², com varanda, sala de estar, cozinha, suíte com closet, banheiro com box e banheira separada. Os residentes (long stay) terão acesso à cozinha gourmet completa e equipada e minimercado.
A chegada ao hotel é pela Estrada das Canoas, uma rua bucólica repleta de lindos e antigos casarões, localizada no bairro de São Conrado. Essa via foi construída em 1949 e, dois anos depois, Oscar Niemeyer projetou a Casa das Canoas como sua residência (atualmente, fechada à visitação para obras de manutenção). Em poucas curvas, chega-se a um portão fechado, com a placa de proibida a entrada. Atrás da porta, a vegetação toma conta, mas já é possível ver o contorno da estrutura do que seria um hotel de luxo nos anos 50. A Rio Já obteve acesso ao local, e ao entrar no terreno, o que se vê é passado, presente e futuro simultâneos como num filme de ficção totalmente real. O chão de paralelepípedo e o muro contínuo de pedras encaixadas contam sobre uma época em que obras eram feitas com poucas máquinas, quase manualmente.
Em 2023, a forma de trabalho é bem diferente de 70 anos antes. Cerca de 20 funcionários se espalham pelo local no que eles chamam de etapa pré-obra, ou seja, estão organizando o que um dia será um canteiro de obras. Neste momento, eles são responsáveis por três ações principais. A primeira é limpar o terreno.
– Foi um choque quando a equipe subiu no prédio anos atrás – conta Cumagai.
– Até resto de carro tinha no local, muitas árvores caídas com temporais, pedras que rolaram – completa Alysson Pereira, gestor da obra e responsável para que tudo idealizado seja cumprido no local.
A segunda atitude é preparar o espaço para o trabalho de anos a ser realizado durante a revitalização do prédio. Estão sendo construídos almoxarifado, escritório, vestiários, espaço para primeiros-socorros e toda uma estrutura de segurança que permitirá aos operários trabalharem com o mínimo risco possível de acidente. Vãos estão sendo tapados e guarda-corpos distribuídos.
O passeio pelo terreno e a subida pelos 16 andares do prédio revelam que que a retirada de entulho ainda levará um tempo, assim como deixar o ambiente protegido para o início da obra propriamente dita.
A terceira atitude, um desafio enorme, é impedir totalmente a visita de interessados. Há anos o portão principal está fechado, mas, mesmo assim, pelas trilhas e de formas não mapeadas, curiosos tentam conhecer o famoso prédio inacabado. Os elevadores suíços já prontos para serem instalados foram roubados, assim como boa parte da cerâmica e do mármore. Tanto que, nos andares mais altos e, portanto, mais inacessíveis para carregar peso até embaixo, ainda há restos de tons brancos e verdes intactos.
Durante as décadas de abandono que se passaram, de tráfico de drogas a praticantes de esporte de aventura, de moradores sem teto a mochileiros, artistas – como Cauã Reymond – e músicos – como Filipe Ret, que gravou participação em clipe musical no local – muitos passaram pelos escombros. Inclusive, pessoas aleatórias sedentas por tirar uma foto diferentona e ganhar cliques em suas redes sociais. Curiosamente, muitos posts com fotos cinematográficas do local são acompanhados frases de reflexão sobre a vida. Assim como as pichações que estão pelas paredes ainda de pé, que propõem frases filosóficas sobre como ser e o que esperar da existência na terra. Não se pode negar que o ambiente, o Hotel Esqueleto, é realmente inspirador. Até hoje, segundo Alysson, chegam pedidos inusitados, como noiva querendo tirar fotos pré-casamento. Mas com segurança reforçada na porta e atentos às chegadas por trilhas, de fato, a entrada é proibida.
Falando sobre as trilhas, a proposta do novo empreendimento é preservar o seu entorno e manter tudo que já existe, seja no quesito florestal e mesmo no estrutural. Isto vale para os muros de pedras encaixadas e os paralelepípedos já citados na reportagem, para a enorme parede de rocha anterior ao portão, por onde escorre água, que também deve permanecer intacta, assim como o paredão de rocha que fica encostado em uma das laterais do prédio. O próprio prédio seguirá essa proposta de se manter o mais parecido com o projeto original. O antigo Gavea Tourist tem estilo arquitetônico modernista e assim deve continuar. Pelas vigas de sustentação dividirão os espaços em número maior de quartos de menor tamanho, muitos estudos de engenharia terão que ser feitos. A orientação não é modificar, mas, sim, revitalizar com toque de inovação, utilizando-se de práticas contemporâneas para conforto, mas com o passado sempre presente no futuro do hotel.
Em relação ao meio ambiente, lembrando que o hotel está no meio da Floresta da Tijuca, o plano é adotar práticas sustentáveis diversas, como reciclagem, produção de energia limpa, utilização de lixo orgânico como adubo, entre outras ações. O turismo de negócios e de lazer é muito bem-vindo, mas um terceiro nicho cada vez mais procurado é o turismo de contemplação e observação. Assim, como os dois entrevistados reforçaram ao longo da conversa, a natureza é considerada o aspecto mais importante do empreendimento, é o elemento que atrai, que sustenta e dá sentido à unicidade que eles querem propor com essa forma de se hospedar.
HISTÓRIA
O projeto inicial foi desenhado nos anos 50 pelo arquiteto Décio da Silva Pacheco, com traços modernistas e um teleférico. A sua concepção veio logo após a criação da própria Estrada das Canoas e antes de o Parque o Nacional da Tijuca ser instituído, época em que o Rio de Janeiro ainda era a capital federal e o país passava por um período desenvolvimentista, bem representado pela figura do presidente Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), que priorizou rodovias e a urbanização. Durante o início das obras e abandono total pela empresa responsável – Companhia Califórnia de Investimentos decretou falência nos anos 70 – o local teve por um curto período de tempo uma boite, a Sky Terrace, funcionando, mesmo em obras, e, em 1965, uma festa de réveillon.
Quando a ideia do antigo hotel foi lançada, a empresa vendeu cotas para os interessados em lucrar com o investimento e que ganhariam também o direito de se hospedar de graça por alguns dias. Os investidores, grande maioria falecida, e seus herdeiros demoraram 44 anos para começar a ser ressarcidos pela aposta malsucedida.