Bruno Agostini
Galeto é o diminutivo de galo, algo entre o pintinho e o frango. No Rio a palavra também designa restaurantes dotados de braseiros, lugares tradicionais que assam muito mais do que a ave, que obrigatoriamente será guarnecida com farofa – e quem sabe, altamente recomendável, também com arroz de brócolis, batatas portuguesas? Está escrito nos dicionários: “Galeto: substantivo masculino: 1. frango muito novo, com menos de 30 dias de idade, apreciado em culinária para ser assado no espeto ou grelhado nas brasas; 2. lugar ou restaurante dedicado a essa especialidade culinária; galeteria”.
Clássico do almoço executivo, o que faz do Centro referência no assunto, também é uma pedida típica do pós-praia do carioca, por isso Copacabana é reduto dessas casas – e o Galeto do Leblon é outra referência, com suas mesas na calçada e os telões que passam esportes. Aliás, a TV de cachorro da padaria Rio-Lisboa, bem perto dali, assa vistosos e concorridos galetos, que muitas famílias levam para casa para os almoços de final de semana.
Além dos clássicos, há (muitas e boas) novidades fresquinhas no setor. Mais famoso e premiado da cidade, o Galeto Sat’s é um desses endereços de referência, que carrega a ave no nome. A casa da família Rabello, que acolhe melhor que ninguém os notívagos boêmios da cidade, acaba de inaugurar seu terceiro endereço, na Barra, que se soma à matriz, em Copacabana, e a filial mais movimentada nas madrugadas, em Botafogo, para onde vão cozinheiros após o expediente, como se fosse uma happy hour que pode terminar ao amanhecer.
– A ideia de vir para a Barra nasceu na pandemia. Muita gente do bairro ia até a Zona Sul, nossa área de entrega, buscar a comida. E pediam para a gente abrir um Sat’s na Barra. A gente tem obrigação de agradar os clientes, que são sócios da casa. Então, estamos aqui – conta Sérgio Rabello, que vem batendo ponto na nova unidade.
Se o galeto é o frango de até um mês de idade, podemos chamar o que crepita nos fortes braseiros da casa é um franguinho.
– Nosso galeto não é congelado, vem resfriado da Região Serrana, e chegam até a gente com entre 18 e 20 dias. Outro segredo, além da churrasqueira sempre muito quente, é o tempero, que tem mais de uma dezena de ervas e outras especiarias, como alho e pimenta – conta Serjão, como é conhecido pelos clientes, que podem pedir o molho especial do Sat’s, que combina limão, laranja e ervas, dando bela incrementada no sabor. – Também inventados o molho de caipirinha, com cachaça e limão, porque a gente tinha que botar cachaça em algum lugar – diz o apreciador da bebida, que vai cobrir as paredes do novo Sat’s com exemplares de todo o Brasil, como é tradição em suas casas.
Quem também usa a palavra Galeto associada ao nome é o Rainha, na Dias Ferreira, sucesso total do chef Pedro de Artagão, que também está chegando à Barra.
– O Galeto Rainha nasceu do desejo de que aquilo que me fazia feliz eram restaurantes mais comuns antigamente. Quando abrimos, há dois anos, a gente só falava do Sat’s e do Braseiro da Gávea. Sempre gostei muito dessa ‘vibe’ carioca. Porque não fazer isso do meu jeito? – comenta o chef Artagão, que a exemplo da turma do Sat’s também vai buscar os seus franguinhos da Serra. – É um senhor galeto, que vem de uma fazenda, não é da indústria, é artesanal, e é um pouco maior do que o normal – revela o cozinheiro.
Outro nome muito usado em casas do ramo é a palavra Braseiro, onde encontramos um menu um pouco mais amplo, porém onde nuca faltam os galetinhos. Inspirado nisso, outro chef que anda muito em alta no Rio, Lúcio Vieira, do Lilia e do Labuta Bar, abriu, defronte a este, na Lapa, o Braseiro Labuta, onde também usa carvão e fogo alto para assar as aves.
– A gente vende muito bem. A coisa mais emblemática de um galeto, sem dúvida, é o galeto, né? Por isso a gente tem essa preocupação. Fazemos uma salmoura, e deixamos dois dias neste tempero: o intuito é deixar a carne mais suculenta. Depois, ainda fica mais um dia em uma pasta de alho, um temperinho português, com base em vinho branco, alho, louro, sal grosso e pimenta-do-reino – destaca Lúcio Vieira.
Outra novidade fresquinha é a lanchonete Cria, que traz o DNA do Rei dos Galetos, clássico do Centro da cidade, com 56 anos de História. Herdeiras dessa tradição tão carioca, as primas Daniela Pereira e Beatriz Cunha são, literalmente “crias” do Rei. A primeira é neta de Celestino Pereira, o fundador da marca que abriu o clássico restaurante do Centro do Rio em 1967, e a segunda, neta do seu sócio Amadeu Cunha: assim, criaram a primeira sanduicheria de galetos que se tem notícia. O primeiro menu é assinado pelo chef Bruno Vaz e foi desenvolvido a partir da receita original. Entre as opções estão o clássico Do Rei, – que já era servido no Rei dos Galetos, e é servido na baguete, com molho especial da casa, à base de aioli de mostarda Dijon e chimichurri; o caprese, com tomate assado com ervas, queijo minas padrão, aioli de pesto de manjericão e rúcula; o milaneto com galeto à milanesa, molho da casa, queijo minas padrão e rúcula e o namastê, com tempero indiano, preparado com curry salada de alface, pepino, cebola roxa e hortelã. Tembém tem variações, como o croqueleto, um croquete, salpicão e caesar salad preparada com a tenra ave.
Também em expansão, como novos endereços na Barra e no terraço do Botafogo Praia Shopping, o Brewteco também aposta na combinação de braseiro com galeto, que é um dos destaques de algumas das casas, como a casa que fica em frente ao Braseiro da Gávea, na Praça Santos Dumont, onde ele faz sucesso tanto no almoço executivo quando no menu regular, assim como no mirante de frente para o Pão de Açúcar, merecidamente um dos lugares da moda no Rio.
Um fato curioso é que, se não fosse uma galeteria, localizada no Jacaré, sucesso total, nós provavelmente não teríamos mais o Adonis. Isso porque a Casa do Galeto, que tem merecida boa fama e um braseiro grande, para lá de nervoso, foi o negócio que permitiu ao chef e maître, dos melhores da cidade, João Paulo Campos, comprar o tradicional bar de Benfica, que estava fechado. Mais um motivo, entre tantos, para os cariocas amarem galeto. Salvou o (Bom e) Velho Adonis da morte, ressuscitando um dos lugares mais queridos do Rio. Viva!
A tradição não se restringe a endereços populares. Também encontramos notáveis galetos nas melhores steak houses da cidade, como o Malta Beef Club, o Esplanada Gril e o Pobre Juan, cada qual com a sua receita (no Esplanada Grill, por exemplo, a carne pode ser marinada em cerveja, por exemplo; e no Pobre Juan é servido com chimichurri, farofa de ovos e batatinhas-suflê).
Não só isso. O Chef mais famoso do Brasil também tem a sua receita de galeto. Na CT Boucherie, agora sob a batuta de Thomas, Claude Troisgros começou a servir um galeto desossado e recheado, como se faz na França tradicionalmente com codornas, com cogumelos. Para acompanhar, o rodízio de acompanhamentos, que tem entre eles travessas com arroz maluco, purê de baroa e farofa de panko. É diferente do habitual.
Assim como as versões de galeto que encontramos em alguns dos melhores hotéis da cidade, como o Fairmont e o Copacabana Palace. No primeiro ele é assado na Josper, a “Ferrari” dos fornos a carvão, feito com mostarda de Dijon e o mel que leva a marca do hotel, acompanhado por batatas rústicas. Receita do chef Carlos Cordeiro, para o panorâmico Marine Restô.
Já no Copacabana Palace ele integra o menu de carnes na brasa, também assados na Josper, estrela da cozinha aberta do restaurante Pérgula, comandado por João Melo. São seis molhos à escolha, como gorgonzola, roti ou manteiga de ervas. E 12 opções de acompanhamento, tais como farofa de biju com ovos e cenoura; arroz de brócolis; espinafre salteado ao alho e salada verde com palmito pupunha. Porque, afinal, Isso aqui, ô, ô é um pouquinho de brasil iaiá.
Certa vez, almoçando em uma churrascaria, o chef Nello Cassese, do Cipriani, dono de estrela Michelin, que hoje comanda ainda toda a gastronomia da rede Belmond na América do Sul, me confessou que seu programa gastronômico de domingo era pedir o delivery do Galeto Sat’s, com direito a muita farofa de ovo – ele havia estranhado essa “areia comestível” tão importante na nossa culinária ancestral.
– Aprendi a gostar de farofa comendo o galeto do Sat’s, e hoje adoro – comentou o cozinheiro. O Nello sabe das coisas, e o galeto é coisa nossa. Com ou sem farofa.