Aydano André Motta
Num mundo em desequilíbrio, não dá para esperar passivamente o que virá – é preciso construir o amanhã melhor, mais criativo, ajustado e próspero, reformular lógicas pré-concebidas para estabelecer relações virtuosas entre os seres humanos e deles com o planeta, num ambiente mais fraterno e menos desigual. A criação de cenários mais acolhedores deverá ser obra coletiva – daí a necessidade de uma nova educação que decifre as necessidades para o porvir.
Para decifrar no presente o que fazer, o Museu do Amanhã e a UFRJ firmaram parceria inédita para a promoção e realização da Cátedra Unesco de Alfabetização em Futuros, a primeira concedida pela agência das Nações Unidas sobre o tema no Brasil. Pelos próximos quatro anos, as equipes das duas instituições desenvolverão pesquisas, programas educacionais e atividades para a construção de um amanhã mais sustentável.
A Cátedra nasce da ideia de que o bem-estar planetário é missão comum a todos e o meio para cumpri-la é a Antecipação Regenerativa. Curar rupturas existentes entre os humanos e deles com a natureza, por meio de diálogos plurais em visões e formas de conhecimento. Nasce, então, a possibilidade de conduzir processos para escapar de futuros ancorados em narrativas hegemônicas e se abrir a possibilidades diversificadas, democratizadas e descolonizadas.
O projeto envolverá o público do Museu do Amanhã e os moradores das comunidades vizinhas à instituição, sobre o papel que o futuro desempenha no presente e as diferentes formas de imaginá-lo. “Somos bons em prever cenários climáticos, perda de biodiversidade, pandemias, mas não agimos como sociedade. No máximo quando o estrago está feito”, constatou Fábio Scarano, professor da UFRJ e coordenador da Cátedra, na cerimônia de lançamento do programa. “O ser humano dito moderno se desconectou da natureza e aí nos desconectamos de nós mesmos, deixamos de ser humanos”.
O professor lembrou a proximidade da Baía de Guanabara, que a sabedoria indígena ensina ser onde o mundo começa, “esse grande lago de leite, como enxergavam os ancestrais”. A poluição e os outros problemas clamam pela necessidade de antever e agir.
Secretária de Ciência e Tecnologia do Rio, Tatiana Roque ponderou que a ideia usual do futuro está contaminada pelo conceito de progresso, sempre amarrado ao desenvolvimento tecnológico como resposta ao esgotamento dos recursos. “Enquanto for assim, a gente ficará esperando o petróleo mais um pouquinho”, alertou. “Não dá mais; por isso precisamos aprender futuros”.
Criado em 1992, o programa da Unesco tem outras 50 cátedras pelo mundo (a carioca é a quarta da América Latina). Bruna Baffa (foto), diretora do museu, chamou de “emocionante” a iniciativa, pelo acervo de perguntas e provocações sobre a ciência, o modo de viver e os amanhãs por inventar. “Vamos abrir mais portas para co-construir esses futuros, entregando ideias tangíveis”, adiantou. “Estaremos aqui repensando toda a lógica, para que o novo tempo não tão condicionado, pré-determinado. O tema passa a integrar de forma profunda o museu, que contribuirá para descolonizar os futuros”.
Fábio Eon, coordenador de ciências humanas, sociais e naturais da Unesco no Brasil, sublinhou que parte dos problemas da humanidade está na dificuldade de antever problemas. “Por isso, queremos desenvolver conceitos para trocar o futuro que a gente espera pelo que a gente quer”, convocou. “Podemos vislumbrar tempos mais criativos, alternativos, prósperos e felizes”.
O aparente paradoxo dos museus voltados para o futuro oferece, na verdade, o permanente questionamento do papel das instituições junto à sociedade. “Assim, criam-se condições para o surgimento de novas narrativas planetárias”, apontou Raul Correa-Smith, diretor-executivo da Fundação Moti (Museu do Amanhã Internacional), que desenvolve projetos culturais ligados aos valores da instituição carioca: sustentabilidade e convivência.
Ele explicou que serão realizados encontros de quatro, cinco dias em lugares diversos, criando o espaço de confiança para o emergir de novas narrativas. “Será um aprendizado através da cátedra, dentro da meta da Unesco de levar a alfabetização de futuros para a rua, além dos limites acadêmicos”.