O RIO ESTÁ PARA PEIXE

POR BRUNO AGOSTINI

No fim de dezembro de 2021 abriu as portas o Sabor das Águas, no Leblon, apresentando aos cariocas uma das principais tendências gastronômicas da atualidade no mundo: os peixes maturados, sistema de cura que é especialidade de Marcelo Malta, do premiado Malta Beef Club. Confirmava, também, que bares e restaurantes de pescados estão em alta no Rio.

Logo depois, em janeiro, foi a vez de Gerônimo Athuel inaugurar o seu Ocyá, na Ilha Primeira, na Barra, revelando um trabalho fora-de-série, que logo ganhou os holofotes, com seu menu que valoriza os peixes e os frutos do mar, aproveitados ao máximo, com notável trabalho feito com os miúdos, como fígado, as espinhas e a cabeça. Chama a atenção também a sua câmara de maturação, onde estão dependurados de ponta a cabeça uma infinidade de espécies.

A Barra ganhou ainda, também este ano, duas novas casas voltadas aos pescados, a Peixaria Mocellin e o Tragga del Mar, projetos marinhos de dois reconhecidos nomes carnívoros, assim como Marcelo Malta. Outra coincidência que une essas quatro novidades recentes, inauguradas há menos de um ano, é o fato de que os peixes e frutos do mar são assados na brasa, o que faz toda a diferença, e é outra tendência.

O mesmo acontece com outros dois lugares emblemáticos na categoria, o Escama, inaugurado no dia 2 de fevereiro de 2020, para coincidir com a celebração da Rainha do Mar, Iemanjá, e o Pescados na Brasa, que festeja a cozinha do Pará, através de muito tambaqui, pintado e pirarucu, além de caranguejos, camarões e siris – sem esquecer do molho de pimenta no tucupi, imperdível.

Outra novidade do ano é o Labuta Mar, do chef Lucio Vieira, do Lilia e também do Labuta Bar, um boteco miúdo no tamanho, mas enorme na qualidade, onde encontramos coisas como ostras com gelatina de porco e sardinha frita, dois dos carros-chefes da casa.

O Labuta Mar abriu e fechou, rapidamente, em Copacabana, por desentendimentos entre os sócios. Mas Lucio promete que em breve o bar marinho estará de volta:

– Já pegamos o ponto, e a obra deve demorar dois meses – conta o chef Lucio Vieira, atual vencedor do Prêmio Rio Gastronomia, como “restaurateur” do ano.

Dizem que vai ter até uma churrasqueira.

AS GRANDES NOVIDADES

Um marco neste movimento foram as duas inaugurações, logo em sequência, que aconteceram no final de dezembro do ano passado, o Sabor das Águas, de Marcelo Malta, e o Ocyá, no início de janeiro. 

Famoso por suas casas de carnes, o Malta Beef Club e o Sabor D.O.C., Marcelo Malta é mergulhador e pescador, e entende como poucos de peixes e frutos do mar. Da mesma maneira, é especialista em maturação de grandes peças de costela, no que foi pioneiro no Rio. Ao criar seu pequeno-grande restaurante de pescados Malta decidiu também aplicar ali a técnica do dry aged, capaz de desidratar as carnes e acentuar seus sabores. 

Mas nem tudo ali passa pela câmara de refrigeração de cura. Os frutos do mar, não, mas brilham tanto ou mais que os peixes. Caso do polvo à passaralho, inspirado no clássico frango à passarinho, com bem generosa quantidade de alho. Do pequeno braseiro saem pérolas, como os espetinhos de cavaquinha, lula, polvo e camarão. Outro destaque do lugar são os sanduíches, como o de trilha empanada, o de maionese de camarão, o cavaca roll e o “choripán” de polvo, com tentáculos no lugar da linguiça. Suas ostras são selvagens, de Santa Catarina, com qualidade acima da média. Eles acabam de inaugurar um aquário, para mantê-las vivas, com capacidades para muitas e muitas dúzias.

 O QUE ERA BOM, MELHOROU

Poucos dias depois do Sabor das Águas lançar âncora na Dias Ferreira foi a vez de seu colega, Gerônimo Athuel, abrir o pequeno atracadouro de sua casa para a chegada dos visitantes. Num ambiente charmoso, às margens de um dos canais da lagoa da Tijuca, ele montou uma cozinha com churrasqueira infernal, onde parte dos pratos é preparada, em brasa muito forte. Saem de lá, por exemplo, a lula recheada e os “colares” de peixes, como são chamadas partes da cabeça, de sabor e textura muito especiais, ainda mais depois do processo de maturação, na grande câmara refrigerada que domina o salão.

Assim como Malta, Gerônimo é mergulhador e pescador. Regularmente sai com a sua lancha para buscar os peixes que vai servir em seu restaurante, seja pescando ele mesmo, seja com a colônia local. Encontramos peixes como dourado, mas também outros poucos conhecidos e desprestigiados, como o faqueco. Experimente as sugestões do chef.

A mais recente novidade é o Tragga del Mar, no Vogue Square, casa irmã da parrilla de mesmo nome, onde podemos encontrar receitas do chef argentino Adair Herrera.

A Barra e arredores têm tradição no ramo, desde os anos 1960, quando começaram a abrir restaurantes especializados em pescados lá pelas bandas de Guaratiba, e depois Vargem Grande, sobretudo, mas também na Barrinha, onde o Canto Alegre mantém a tradição de assar sardinhas, bacalhaus e outros peixes (e carnes) no braseiro. Uma casa portuguesa, com certeza.

São lugares simples, mas com excelente comida (o Bar do Cícero, também na Ilha Primeira, assim como o Ocyá, é um bom exemplo da categoria). Bem diferente da Peixaria Mocellin, que traz o DNA gaúcho dos fundadores do Porcão, que apesar do ambiente despojado e praiano, tem sofisticações como uma robusta carta de vinhos, com excelente variedade de brancos, com mais de 500 rótulos. Aposte nas chapas de pescados na brasa (dê uma espiada na cozinha envidraçada), para três ou quatro pessoas, e comece com as gambas al ajillo, que não tem erro. Se o tempo permitir, cacife uma mesa do lado de fora, junto ao Quebra-Mar, dos lugares mais agradáveis do Rio para uma refeição ao ar livre. 

A mais recente novidade é o Tragga del Mar, no Vogue Square, casa irmã da parrilla de mesmo nome, que tem um certo sotaque latino (sí, hay ceviche), e um menu um pouco mais autoral, onde podemos encontrar receitas do chef argentino Adair Herrera. A empanada de polvo merece destaque no menu, assim como as sardinhas fritas e a parrillada del mar, com peixe, lula, mexilhão e camarão.

Eles seguem o caminho de Marcelo Torres, do Giuseppe Grill, e Mairus Fontana, que há algum tempo já abriram suas churrascarias às iguarias marinhas, com o Giuseppe Mar, na Barra, e a Marius Crustáceos, no Leme. Quem disse que churrasco é só de carne?

A PRIMEIRA ONDA

 Essa onda marinha na gastronomia carioca já vem se levantando há algum tempo, pelo menos desde 2020, quando foram inaugurados o Proa, na Gávea, em janeiro, e o Escama, no Jardim Botânico, logo em seguida, no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro.

O primeiro tem um clima descontraído e praiano, com terraço para lá de agradável e menu a cargo da chef Joana Carvalho, famosa pelas noites com ostras que promove em seu Jojô Bistrô, no Horto. O menu tem itens fixos, e outros que mudam regularmente, e são anotados no azulejo branco, que remete a uma peixaria e vira lousa. Cozinha altamente confiável, dos petiscos, como as lulas com bacon e milho, aos pratos, tipo o curry indiano de camarão.

Já o Escama é a combinação de matéria-prima de excelência com a técnica de vertente francesa do chef Ricardo Lapeyre, craque nos molhos, que são destaque em muitos dos pratos, como o que envolve o gyoza de cavaquinha, cremoso e cítrico. Para acompanhar os peixes e frutos do mar na brasa (se tiver, não deixe de experimentar os lagostins e a cavaquinha), peça o molho de espumante, ou o choron. Já existem receitas que viraram estrelas do menu, começando pelo carpaccio de vieira, com salicórnia e pipoca de quinoa, o strudel de pirarucu e o carpaccio de atum com foie gras ao vinho do Porto. Grupos podem reservar a mesa do chef, com menu personalizado, e garrafa de Ruinart (são a embaixada carioca deste famosa Maison de Champanhe): o Chico Buarque é fã e cliente do espaço.

Um pouco antes da dupla abrir as portas, no final de 2019, tinha sido a vez do Pescados na Brasa, que durante a pandemia virou um fenômeno de crítica e público, atraindo gente de todos os cantos do Rio até Riachuelo, não muito longe do Maracanã. A receita do sucesso é a comida, o atendimento, a simpatia e toda a ambientação cultural que remete ao Pará, terra natal dos sócios, o casal Adriana Veloso e José Maria, o Junior. Ele cuida da churrasqueira, e dos temperos dos peixes. Adriana fica mais no salão, mas cuida do restante do menu, onde além de alguns peixes de Rio, como tambaqui, filhote e pirarucu, também serve receitas com exemplares marinhos, como anchova, além de frutos do mar. O pintado na brasa com arroz paraense (camarão, tucupi e jambu) é imperdível.

A TRADIÇÃO INSUPERÁVEL

O Satyricon reinou por anos na categoria, tendo como espinha dorsal a culinária italiana mediterrânea. Desde que abriu as portas, em Búzios, no começo dos anos 1980, o restaurante fundado por Miro Leopardi foi e ainda é a maior referência em peixes e frutos do mar não do Rio, mas do Brasil. Mas, aproveitando a qualidade de sua matéria-prima e o modismo, incorporou um sushi bar ao menu, e de lá saem pratos excelentes. A novidade da temporada é o Oyster Bar, que ocupa a entrada da casa, onde antes era área de espera de mesas. Agora, dá para gastar a tarde só por lá, seja pedindo o famoso Gran Piatto di Mare, uma notável composição de iguarias marinhas, como ovas, ostras e conchas diversas, entre outros pratinhos frios ou alguns dos lançamentos da temporada, como a pizzeta di tonno (pizza branca, carpaccio de atum fresco, broto de coentro e wasabi), o tartare de king crab (com abacate, ova de salmão, salsa trufada) e o Plateau Sardegna (com ouriços ou vieiras, ostras e lagostins).

Se o Rio está cheio de novidades gastronômicas marinhas, a cidade tem um respeitável time de restaurantes e bares dos mais tradicionais que têm nos pescados a especialidade da casa. Quase sempre são lugares de origem portuguesa ou espanhola. O Bar Urca, o Rio Minho, o Fim de Tarde e o Shyrley, no Leme, são exemplos disso. Também destacaria um quarteto histórico de Copacabana: O Caranguejo, a Adega Pérola, o Príncipe de Mônaco e A Marisqueira – que está passando por grande reforma, e promete voltar renovado. Todos antigos, todos tradicionais e muito cariocas, e especializados em pescados. Ainda bem que esse cardume de bem-vindas novidades vem renovando essa tradição marinha que é a cara do Rio, mas que andava um pouco esquecida.

E nem falamos dos quiosques de praia… No finalzinho do ano passado, Rapahel Vidal, que domina o Largo de São Francisco da Prainha, com a sua casa Porto, o Bafo da Prainha e outros negócios, inaugurou o Ginga, com pés fincados na areia do Leme e menu de petiscos marinhos, além de muito samba e cerveja gelada. Quem não gosta?

Quando o assunto são pescados em quiosques da orla podemos destacar alguns, como o De Lamare, o Azur e o Cavalo-Marinho, sem falar no Venga Chiringuito, na Avenida Atlântica, que compra os peixes em sua maioria na colônia de Z-13 ali perto, no Posto 6. Porque procedência é fundamental.