TENDÊNCIA: DO RETRÔ AO RETROFIT

POR ROSAYNE MACEDO

Um dos mais icônicos hotéis do Rio de Janeiro, o Hotel Glória completa 100 anos justamente no ano do bicentenário da Independência do Brasil. E, após 14 anos abandonado, está sendo totalmente repaginado para voltar, efetivamente, a viver seus dias de glória – com trocadilho. Antigos quartos que já hospedaram nomes como Albert Einstein, Marilyn Monroe, Neil Armstrong; quase todos os presidentes da República e figuras ilustres que contam a história do país e da antiga capital, passarão a ser a residência de moradores mais ou menos anônimos, porém dispostos a pagar por um endereço ao mesmo tempo clássico, moderno e bem localizado.

Primeiro prédio feito de concreto armado na América do Sul e também o primeiro hotel cinco estrelas do Brasil vai passar por um retrofit e será transformado em um residencial de luxo com 266 unidades. Os apartamentos, com metragens que vão de 70 a 314 metros quadrados, vão ocupar as antigas acomodações em diversas tipologias, com fachada, frente e murada de pedra, assim como monumentos, totalmente restaurados. Haverá ainda uma área comercial no térreo, com quatro lojas, para atender a um movimento superior a mil pessoas por dia. As obras já começaram e o empreendimento está previsto para ser entregue em 2026.

O novo uso de um dos hotéis mais charmosos da orla da cidade é uma tendência que está se consolidando no mercado imobiliário carioca. Pelo menos outros cinco hotéis estão passando pela mesma transformação na Zona Sul, Centro e Barra da Tijuca. São estabelecimentos que estavam desativados ou foram comprados por construtoras ou investidores. Dois estão passando por projetos de reconversão ou retrofit (Hotel Glória e Flamengo Palace) e os outros serão demolidos. Há ainda o Hotel Inglês, no Catete; o Praia Linda, na Praia do Pepê, e o Atlântico Tower, no Centro, que também será ‘retrofitado’.

O movimento de hotéis virando residências soma-se aos lançamentos tradicionais que puxam as vendas de imóveis no Rio e contribui para a geração de mais de 6 mil vagas de empregos diretas e indiretas – 4.500 delas somente no Hotel Glória -, além de evitar invasões, na avaliação de investidores, como o fundo de investimento imobiliário que comprou o Hotel Glória e executa o projeto, num gasto total estimado em R$ 400 milhões.

O projeto do novo Glória vai preservar e recuperar a fachada histórica, seguindo toda a legislação para este modelo de empreendimento. “O contemporâneo estará presente sem deixar de lado as características icônicas do hotel. Para isso, investimos em pesquisas com especialistas, historiadores, personalidades e potenciais moradores. O resultado dessa imersão poderá ser visto em cada detalhe do empreendimento. Queremos preservar a memória do Hotel Glória, que completou 100 anos de construção em agosto”, afirmou Jomar Monnerat, gestor do fundo que investe no empreendimento.

Outro projeto na mesma linha é o Atlântico Tower, na Rua Visconde de Inhaúma, Centro, que vai se transformar em um residencial com 216 unidades. O hotel possui uma vista privilegiada para a Baía da Guanabara e até pouco tempo era bastante frequentado e bem pontuado no Booking.

Na Praia do Flamengo, o antigo Hotel Flamengo Palace agora é o Insight Praia do Flamengo, retrofit que será entregue em outubro. O edifício tem apenas 42 unidades e itens tecnológicos como portaria virtual e aplicativos exclusivos e sustentáveis, além de serviços compartilhados como coworking, mini mercado, lavanderia, lounge, espaço gourmet e spa, entre outros. 

Também no Flamengo, o terreno do Hotel Inglês, na Rua Silveira Martins 20, que encerrou as atividades em janeiro deste ano, dará lugar ao Verdano Spazio. O novo empreendimento, com vista privilegiada para os jardins do Palácio do Catete e perto da enseada do Flamengo, contará com apenas 16 unidades de 70 metros quadrados, na tipologia quarto e sala, e terá espaço gourmet e fitness. 

Já na Barra da Tijuca, mais de 1.500 vagas de empregos serão geradas na construção do novo residencial de apenas 34 apartamentos que será erguido onde funcionava o Hotel Praia Linda (60 quartos), na Praia do Pepê, no Jardim Oceânico, área nobre do bairro.  

A Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, confirmou que três projetos que visam à transformação de antigos hotéis em prédios residenciais já haviam sido licenciados até meados de julho. Para o secretário Chicão Bulhões, a reconversão é positiva porque pode dar vida nova a espaços paralisados. “Esse processo é muito importante. Preserva instrumentos que estão fora de uso, como o Hotel Glória. Isso traz um aquecimento para o mercado imobiliário e gera mais investimentos na construção civil”, declarou.

O número de hotéis virando residências tende a aumentar nos próximos meses na cidade. O Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (HotéisRIO), que concentra 380 empresas do setor – incluindo pousadas e albergues –, projeta que o total de estabelecimentos sendo transformados em residências pode chegar a 20. Segundo o presidente do HotéisRio, Alfredo Lopes, a expansão da rede hoteleira para os grandes eventos na cidade e a queda na demanda por hospedagens com a crise econômica dos últimos anos, agravada pela pandemia, podem explicar a procura por esse tipo de negócio.

Aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o retrofit do Hotel Glória não é somente um lançamento imobiliário, mas o ‘coração’ de um programa municipal de valorização do bairro de mesmo nome, que tem mais praças e parques da cidade, depois de um longo período de abandono. O novo empreendimento é o carro-chefe do projeto ‘Dias de Glória’, iniciativa da Secretaria Municipal de Turismo que tem como objetivo reconhecer o potencial turístico do local em 40 endereços, incluindo o hotel.

Além do investimento no retrofit do hotel, há uma série de ações para contribuir e somar às ações do município para a revitalização da Glória. Entre as iniciativas está a execução de nova calçada, pintura dos balaústres, limpeza da murada, e reforma e recuperação dos postes. A Enseada Adolpho Bloch também ganhará novo paisagismo.

HISTÓRIA: DO CLÁSSICO AO DECADENTE

Com projeto em arquitetura neoclássica, assinado pelo arquiteto francês Joseph Gire, o mesmo responsável por outros prédios icônicos na cidade, como o Edifício A Noite e o Copacabana Palace, o Hotel Glória foi construído, com apoio de engenheiros alemães, pelo empresário Rocha Miranda, por meio da Companhia de Hotéis Palace. O primeiro hotel cinco estrelas do Brasil, com 150 quartos, foi inaugurado em 15 de agosto de 1922, a tempo de receber  hóspedes da exposição do primeiro centenário da Independência, que atraiu expositores de 14 países para apresentar novidades na indústria, artes, ciências e comércio.

O Hotel Glória conquistou seu auge quando o Rio era o centro cultural, financeiro e político do país, sendo preferido por grandes artistas de cinema, cantores, políticos e chefes de estado. No passado,  foi palco de reuniões de negócios, decisões políticas e grandes espetáculos musicais, protagonizados por artistas respeitados como Carmen Miranda e Pixinguinha. Dotado de teatro, cassino, salões de festas e de jogos e áreas de lazer, recebia muitas convenções, congressos e grandes bailes de formatura. Sediou o famoso Concurso de Fantasias de Carnaval, que contou com presenças ilustres como Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima.

Até que entrou em decadência no fim do século 20 e fechou as portas, em 2008, tendo sido comprado por R$ 80 milhões por Eike Batista. O então todo-poderoso empresário que pretendia fazer uma grande reforma do hotel e transformá-lo em um luxuoso seis estrelas,  resgatando o charme dos anos 1920. A ideia inicial era terminar a obra a tempo de aproveitar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada Rio 2016, o que não ocorreu.

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