POR JAN THEOPHILO
‘Que o dia nasça lindo amanhã pra todo mundo! Um Brasil novo… uma rapaziada ishsperrrtaaa!!”, gritou Cazuza, em alto e bom leblonês, na noite de 15 de janeiro de 1985 enquanto sua banda, o Barão Vermelho, tocava o hit “Pro dia nascer feliz”, no quinto dia de apresentações do primeiro Rock in Rio. Naquela manhã, em Brasília, o Congresso Nacional, de forma indireta, escolhera Tancredo Neves como novo Presidente da República, encerrando mais de 20 anos de ditadura militar. Cazuza, talvez sem querer, acabou homenageando indiretamente não só o novo mandatário do país, mas um personagem fundamental para que o festival acontecesse. E que teve, nos bastidores, a “companhia” de outro nome que dispensa quaisquer apresentações: Frank Sinatra. Não fossem esses dois personagens, de histórias e carreiras tão distintas, o Rock in Rio certamente não teria se tornado o que é hoje.
Tudo começou quando a Artplan, agência de publicidade de Roberto Medina, foi convidada pela Brahma para planejar um rejuvenescimento da marca. Poucos anos antes, em 27 de janeiro de 1980, ela havia realizado um feito marcante na história do show biz brasileiro: a famosa apresentação de Frank Sinatra em pleno Maracanã para mais de 175 mil pessoas. Se hoje em dia atrações internacionais são figurinhas fáceis na programação das grandes cidades, no início da década de 1980 a reputação do Brasil no exterior era a mais avacalhada possível. Em 1981, o Queen teve um show no Maracanã cancelado em cima da hora por ordem do então governador Chagas Freitas, que achava Freddie Mercury um sujeito um tanto inadequado para a família brasileira. Em 1982, boa parte dos equipamentos do Kiss foram roubados, e naquele mesmo ano, o The Police, levou um belo beiço, depois de se apresentar no Maracanãzinho.
Entusiasmado com o sucesso da histórica apresentação de Sinatra, a família Medina viu na encomenda da cervejaria, a oportunidade de fazer algo ainda mais grandioso. Um festival musical de 10 dias de duração com grandes nomes da cena brasileira e internacional. Só que de cara o desafio se mostrou bem maior do que se esperava. Roberto Medina conta que ouviu cerca de 70 “nãos” em diferentes reuniões, de diferentes artistas e empresários, até que resolveu pedir ajuda a Sinatra, de quem ficara amigo após o sucesso no Maracanã. “Liguei para ele e disse ‘olha, eu estou com um problema’ e contei a história. ‘Eu não tenho credibilidade, a imprensa não quer me ouvir’… Aí ele chamou a imprensa para uma coletiva e foi todo mundo. Tinha mais de cem jornalistas e no dia seguinte os Estados Unidos inteiro… Era capa do Los Angeles Times, era a capa de todos os importantes jornais americanos. ‘O maior evento de rock do mundo vai acontecer no Brasil'”, contou ele para o recém-lançado documentário “Rock in Rio – a história”. Com a mãozinha de Sinatra, os artistas internacionais começaram a topar o projeto, foi quando surgiu um outro problema, que celebridade internacional nenhuma poderia resolver.
O primeiro Rock in Rio começou a ser organizado praticamente na metade do primeiro mandato de Leonel Brizola no governo do Rio de Janeiro. Brizola, uma das mais felpudas raposas da política nacional, olhava ressabiado as movimentações dos Medina. Tudo porque, nas eleições de 1982, Rubem Medina, irmão de Roberto, fora eleito pelo governista PDS para o seu quinto mandato consecutivo de deputado federal. E em segundo lugar, ficando atrás apenas do brizolista Agnaldo Timóteo. O sucesso do Rock in Rio, na visão dos brizolistas, poderia catapultar a popularidade de Rubem, cujo nome já estava sendo ventilado para disputar a prefeitura do Rio aquele ano, ou mesmo para disputar a sucessão de Brizola em 1986 – Medina acabou concorrendo à Prefeitura em 1985, mas ficou de novo em segundo lugar, perdendo para Saturnino Braga.
“Para você ter uma ideia, foram necessárias 68 licenças de órgãos diferentes para podermos fazer a primeira edição”, lembra o hoje ex-deputado Rubem Medina. Ele conta que além de todas as dificuldades para montar, em seis meses, uma estrutura que normalmente levaria cerca de três anos para ser erguida, Brizola chegou a interditar as obras por um mês, alegando que a Artplan pretendia ocupar permanentemente o terreno de 250 mil metros quadrados que fora apenas cedido para o evento. “Aquilo acabou atrasando várias obras. O chão, por exemplo, não ficou tão compactado como deveria, o que acabou causando o famoso problema da lama”, diz Rubem Medina.
A solução foi apelar novamente a um padrinho poderoso. “Eu tive de ir à casa do Tancredo Neves, em Brasília, fazer uma apresentação sobre o Rock in Rio. Ele já era praticamente o presidente eleito. Então expliquei que o festival tinha tudo a ver com o momento político, a liberdade, a volta da democracia”, lembra Rubem. Tancredo aceitou interceder e telefonou para Brizola, que concordou em deixar o rock rolar, com a condição de que tudo fosse desmontado ao fim da festa. “Depois da repercussão do show do Barão Vermelho, a gente até pensou em convidar o Tancredo para falar no Rock in Rio, mas a ideia acabou não indo adiante”, diz Rubem.
“Aquilo era para ter sido um local permanente de grandes eventos, mas veio o Brizola e destruiu tudo”, diz o ex-deputado. Oficialmente, foram gastos US$ 25 milhões na construção da Cidade do Rock. Apesar de mais um milhão de ingressos vendidos, a Artplan amargou um prejuízo de US$ 30 milhões. Em seu plano de negócios, a empresa esperava que a rentabilidade do evento viesse depois, com a continuidade de uso do espaço privadamente. Amigos de Brizola sustentam até hoje que o governador apenas fez valer o que fora combinado: o uso do terreno para um único evento. Mas o impacto foi grande. A família Medina só voltou a trabalhar com festivais musicais seis anos depois, para mais uma edição que marcou época, dessa vez no Maracanã. O resto é a história de sucesso que todos conhecem. E que, tomara, se repita de novo este ano, e em outubro o dia volte a nascer lindo para todo mundo.