Por Ricardo Bruno
Janeiro de 2022 não é apenas o primeiro mês de um ano recém-inaugurado, como tantos outros já vividos. Não traduz somente as esperanças costumeiras de renovação próprias do limiar de uma nova quadra da vida. Há algo diferente no ar. O sonho sonhado pela maioria dos brasileiros é mais profundo, visceral e aponta para o avesso do Brasil dos radicais e intolerantes em voga nesses tempos sombrios.
Após um período soturno, prenhe de ódio e rancores, vazio de esperanças, obnubilado por ações e palavras de um presidente xucro, espera-se a volta à razão, ao equilíbrio e à sensatez dos regimes plenamente democráticos. Roga-se por objetivos simples e óbvios, mas, ao mesmo tempo, revolucionários: o fim do negacionismo, a prevalência da ciência, o diálogo entre contrários e o respeito a alteridade perdida no confronto estéril dos lacradores das redes sociais.
As eleições deste ano devem simbolizar o fim deste inverno civilizatório; permitirão a retomada do fio da história de um país socialmente mais justo, com maiores oportunidades e menores diferenças. Interrompida abruptamente em 2016, essa construção coletiva, pujante e irrefreável, será certamente levada a cabo por desejo da maioria dos brasileiros, a se manifestar nas urnas – eletrônicas, registre-se.
O Brasil já não suporta mais esse país dividido, confrontado permanentemente por essa legião de ignaros que ascendeu ao poder num acidente democrático. É inaceitável a troca de valores promovida nos últimos anos por essa gente, com exaltação pública aos ineptos, iletrados e ignorantes. Fez-se virtude da indigência intelectual. As deficiências culturais, que antes deveriam ser superadas, passaram a ser tratadas como paradigmas para transformação da sociedade brasileira. Enfim, tentou-se a construção de uma república de toscos, que, certamente, será derrotada nas próximas eleições.
Diálogo e tolerância são palavras chaves para decifrar os próximos anos. Quem melhor incorporar esses valores terá amplas chances de acolhimento eleitoral no pleito vindouro. Se antes a pauta era de confronto, hoje o tom exigido é de negociação. Há um esgotamento do “eles e nós” que só fez aprofundar diferenças e crescer miséria. Trincado pelo ódio, o País abandonou à própria sorte uma parte de seus filhos. São brasileiros absolutamente desvalidos que se viram novamente diante da fome em manifestação aguda – contra a qual recorrem perambulando pelas ruas à cata de pelancas e ossos, num teatro-síntese da tragédia nacional. Realismo na veia. Essa desventura terá fim. Por exigência da maioria dos brasileiros.
O que sentimos é mais do que bons augúrios. É a razão, aos poucos, voltando a prevalecer na rotina da vida e a esperança, na perspectiva do futuro. Volta-se a crer, enfim, na acumulação de conhecimento como pré-requisito para ampliação de oportunidades. Se os últimos anos foram de pandemia, negacionismo, sofrimento e mortes, 2022 se apresenta como o momento da redenção de um iluminismo pós-moderno, em torno da qual se multiplicam as esperanças.
Para começar, teremos carnaval, ao menos, na Marquês de Sapucaí. Já é muito assistir aos desfiles das escolas de samba, após o amargo hiato pandêmico. É de se esperar um destampatório geral para saudar a boa nova. Foi assim após a gripe espanhola de 1918: o maior carnaval de todos os tempos.
Nesta edição, a Rio Já dedica boa parte de suas páginas a mostrar que, depois de tanta tristeza e sofrimento, o carnaval do Rio não acabou porque, simplesmente, não podemos permitir que ele acabe.
Enfim, para definir o momento, tomo as palavras do poeta Luís Carlos da Vila, na letra do magistral samba de 1988: “Nós iremos achar o tom/E fazer com que fique bom/Outra vez, o nosso cantar/E a gente vai ser feliz/Olha nós outra vez no ar/O show tem que continuar…”