Ricardo Bruno
A festa de lançamento da Rio Já, no velho Adônis, de Benfica, uma espécie de catedral da botecagem carioca, expressou à perfeição o espírito da revista: ampla, plural e comprometida com pessoas, sentimentos e valores imbricados na recuperação do protagonismo do Rio. Ali, a Zona Sul se encontrou com a Norte, no coração do subúrbio carioca, numa celebração de crença e resistência dos valores democráticos.
A conversa solta, amável, pontuada por alguma picardia e muitas gargalhadas, entre bolinhos de bacalhau e tulipas de chope, envolvendo o governador Cláudio Castro (PL), o prefeito Eduardo Paes (PSD) e o deputado André Ceciliano (PT) emoldurou a fotografia _ talvez caricatura, dado o exagero etílico do momento _ do Rio que queremos de volta. Foi um contraponto natural e espontâneo ao clima abespinhado imposto pelos radicais que tentam se apoderar do proscênio político. Ao nascer, a Rio Já produziu esta proeza – desarmou os espíritos, aproximou diferentes e sublimou a convivência democrática.
Nesta edição, aprofundamos esse compromisso de resgate do lifestyle carioca , um tanto diluído pelas limitações impostas pela pandemia e pelo mau humor retórico de grupos minoritários mas estridentes, alinhados a um detestável conservadorismo iracundo. Penetrar nas entranhas no Rio, buscar fatos e personagens interessantes, mas despercebidos em meio à rotina cotidiana da vida numa metrópole, é nosso maior desafio.
Começamos desbravar a capital e o interior por ângulos inusitados, a partir de pontos de observação incomuns, através do protagonismo de personagens centrais da vida no Rio. São mulheres e homens, nem sempre conhecidos, que alimentam e avivam o perfil, o ectoplasma da vida carioca.
A saga do cearenese Antônio Rodrigues, dono da rede de botecos Belmonte, com 19 casas, das quais duas em São Paulo e três em Portugal, é exemplo rematado de sucesso do empreendedorismo popular. De lavador de pratos em uma churrascaria de Copacabana a empresário internacional há uma bela trajetória, narrada com estilo e argúcia pelo repórter Jan Theophilo.
Da comunidade da Mangueira, berço da Verde e Rosa, trouxemos pelo zoom da competente repórter Rosayne Macedo a imagem fulgurante de Evelyn Bastos. Linda, de esquerda, e antirracista, ela é muito mais do que a rainha de bateria da escola. Politizada, incorpora valores que transcendem o corpão esculpido nas academias pela professora de educação física. “Escolhi fazer de meu corpo um corpo de protesto. Esteja ele seminu ou vestido de Jesus mulher”, afirma, lembrando o carnaval de 2020, quando encarnara na avenida o Cristo em versão feminina.
Perscrutar o pujante e surpreendente interior fluminense foi tarefa de nosso crítico gastronômico, o arguto e tarimbado Chico Junior. Em Barra Mansa, ele nos revela a produção do melhor gin artesanal do mundo, de acordo com o World Gin Awards, prestigiada competição do gênero realizada em Londres.
Em suas andanças pelos rincões fluminenses, Chico nos apresenta também um vinho, de ótima qualidade, produzido num distrito de Paraíba do Sul: o Inconfidência. Mas há produções viníferas também em Areal, Petrópolis, e em São José do Vale do Rio Preto.
Mergulhamos também no centro da cidade para radiografar a decadência da região, acentuada pela pandemia, e mostrar os caminhos para a recuperação. Pelos números da Ademi, 13 mil imóveis estiveram fechados ali durante o pior momento da pandemia. O Centro feneceu; a energia que fazia fervilhar o cruzamento da Rio Branco com Sete de Setembro se esvaiu – por conta da crise, no rastro da devastação de empresas, vidas e sonhos ocasionada pela pandemia. A ressureição urbanística da região é possível e foi destrinchada por Rosayne Macedo, em matéria sobre o projeto Reviver Centro, de Eduardo Paes. Torná-la atraente para moradias é o maior desafio desta tentativa de recuperar o espaço, hoje absolutamente degradado.
Ainda nesta edição, uma pensata do sociólogo Washington Quaquá sobre a necessidade de os setores democráticos e populares recuperarem a hegemonia cultural, usurpada por grupos conservadores. O texto é um convite à reflexão sobre a importância deste movimento de retomada de espaço na dialética política.A cada reportagem, a cada edição, mostramos um aspecto, uma característica, um personagem do Rio que amamos, num mosaico de fotos e textos elegantemente dispostos pelo talento de André Hippert. É dele a capacidade de juntar imagens reais ou abstratas, vivas e encantadoras com os textos incisivos de nossos repórteres – numa fusão de arte e informação que faz da Rio Já uma revista ainda mais atraente.
Boa leitura.
Por Ricardo Bruno, diretor de redação