Vamos combinar que 2019 foi um ano para se esquecer. Os motivos são inúmeros. Mas no caso específico da gastronomia carioca, os efeitos da pandemia foram devastadores. Cerraram de vez as portas casas como O Navegador, o Sentaí, o Esquimó (melhor “bunda de fora” do Centro”, e até o Hipódromo do Baixo Gávea _ nas palavras do cronista de O Globo, Leo Aversa, “a Casa Colombo de toda uma geração” _, entre muitos outros. Mas no início de setembro, uma notícia em especial impactou os cariocas: o histórico Bar Luiz, onde em 1887 foi servido o primeiro chope no Brasil, anunciou que também ia fechar.
Na última semana tentou-se uma corrente de solidariedade como não era vista há muito tempo. Na segunda-feira deu fila na porta, e mais de 600 pessoas foram atendidas até o fechamento da casa às 16 horas. Durante a tarde, clientes ajudaram os garçons até a organizarem a fila e as mesas, pois dos 13 funcionários que estariam trabalhando nos dias normais, apenas três estavam trabalhando no local. Alguns chegaram a fazer o próprio serviço dos funcionários, como levar pratos e talheres. Há 11 anos, a casa chegou a ter 48 funcionários. No dia seguinte, o tradicional Restaurante Otto, na Tijuca, enviou reforços: oito funcionários para dar apoio na cozinha e no atendimento. O número de clientes triplicou na última semana de funcionamento, mas os recursos não foram o suficiente para driblar as dificuldades financeiras simbolizadas hoje por um grande buraco no telhado ainda em busca de verba para sua recuperação.
Mas nem tudo está perdido. Um grupo de arquitetos, historiadores, boêmios notáveis e jornalistas vêm se mobilizando para viabilizar a reabertura da casa com ações colaborativas e articulação política. Idealizados pelo produtor cultural Eduardo Maruche, os crowdfundings “Croquete do Bem” e “Bar Luiz de carteirinha”, ambos no site Abacashi estão arrecadando apoio financeiro para a reforma emergencial no telhado. Em paralelo, grupos como o Instituto Rio Antigo, que promove passeios culturais pelo centro e tem um Instagram com quase 200 mil seguidores promovem a importância histórica do bar. No próximo dia 19 de dezembro (domingo, a partir das 14h), mesmo fechado para o funcionamento regular, o bar que já foi o mais popular do Brasil reabre por um dia, numa festa popular para mostrar sua história e agradecer quem segue acreditando no seu futuro. O evento, que vai ocupar a Rua da Carioca, bem em frente ao bar, faz parte das ações de divulgação e recompensa das campanhas no Abacashi.
A história do Bar Luiz remonta aos tempos imperiais. No dia 3 de janeiro de 1887, o alemão Jacob Wendling acionou pela primeira vez a alavanca da chopeira do seu restaurante, que originalmente ficava no número 102 da Rua da Assembleia e chamava Zum Schlauch (“Para a mangueira” em alemão), uma referência ao fato de, ali, vender-se uma novidade: um chope que circulava dentro de uma serpentina imersa no gelo antes de servido geladíssimo. Em 1901, a casa mudou-se para o número 105 da mesma rua e mudou de nome para Zum Alten Jacob (“Ao Velho Jacob”), uma homenagem ao velho Jacob, o fundador, que já havia passado a direção do bar para seu afilhado, Adolf Rumjaneck. Em 1908, Jacob mudou-se de vez para a Suíça e o restaurante passou a ser frequentado por nomes como os dos escritores João do Rio e Olavo Bilac, entre outros.
Em 1915, uma lei de valorização da língua portuguesa obrigou a mudança no nome, que passou a se chamar Bar Adolf. Com problemas de saúde, Adolf convidou o austríaco Ludwig Vöit para ser seu sócio. Ele morreu em 1926 e um ano depois o bar mudou definitivamente para seu endereço atual, no número 39 da Rua da Carioca. Quando veio a Segunda Guerra Mundial, estudantes do Colégio Pedro II que integravam movimentos antifascistas, ameaçaram destruir a casa, imaginando que o nome do estabelecimento era uma homenagem a Adolf Hitler. O compositor Ary Barroso evitou um problema maior, explicando que a coisa que não era bem assim.
Por via das dúvidas, Ludwig tratou de publicar nos jornais da capital um anúncio “Ao Povo Brasileiro”: “Ludwig Vöit, proprietário do Bar Adolf, declara ao povo brasileiro, justamente indignado pelos vis e covardes atentados de que tem sido vítima pelas nações do Eixo colocadas à margem da civilização, que, inteiramente solidário com a causa comum dos povos livres, resolveu mudar o nome do Bar Adolf para Bar Luiz, esclarecendo-se ainda que é austríaco de nascimento, tendo se naturalizado brasileiro em 1927, e, estando no Brasil há 29 anos, sempre procedeu como amigo do País que tão generosamente o acolheu. Outrossim, declara que o nome de Bar Adolf havia sido dado pelo seu antigo proprietário, em 1915”. Eram outros tempos. Nas décadas seguintes a casa consolidou-se como ponto de encontro de artistas, músicos, políticos e intelectuais.
Em dezembro de 2011, o prefeito Eduardo Paes assinou o Decreto de Cadastro dos Bares Tradicionais, conferindo, a onze botequins, dentre eles o Bar Luiz, o status de Patrimônio Cultural da Cidade. O fechamento definitivo do Bar Luiz representa uma perda imensa do ponto de vista cultural e econômico da cidade, principalmente nesse momento de recuperação, onde casas como o Amarelinho e o Villarino estão sendo recuperadas. Por tudo isso, faça sua parte e ajude o Bar Luiz. Afinal, não dá pra gente recorrer ao Antônio do Belmonte o tempo todo.